A reforma da habitação
30-04-2018 - 06:17

São boas as intenções de resolver o problema complexo da habitação. Importa que se tornem concretizáveis.

Três quartos dos portugueses vivem em habitações de que são proprietários, um número superior à média da UE, envolvendo países mais ricos. Mais de um terço dessas casas foi comprado com empréstimo bancário – esta é a principal causa do alto endividamento das famílias.

Para uma população com o nível médio de rendimentos da portuguesa, o arrendamento seria, em princípio, a solução mais razoável para grande parte das famílias. Até porque as famílias de baixos ou até médios rendimentos não conseguem obter empréstimos bancários. Mas no último meio século o arrendamento de casa em Portugal não deu resposta às necessidades.

O arrendamento de habitação falhou, primeiro, com o congelamento das rendas. Iniciado por Salazar nas cidades de Lisboa e Porto, o congelamento foi generalizado a todo o país no governo de Vasco Gonçalves.

Como a inflação disparou a partir de então para níveis perto dos 30% ao ano, não tardou que muitos senhorios passassem a receber rendas de valor real cada vez mais irrisório.

Resultado: deixaram de colocar as casas no mercado de arrendamento e de fazer obras. Nesse sentido jogou, também, o facto (que ainda não foi eficazmente eliminado) de se multiplicarem os casos de inquilinos não pagarem as rendas, mas continuarem a viver durante longo tempo nas casas que teoricamente haviam alugado.

Durante décadas sucessivos governos foram incapazes ou demasiado tímidos no descongelamento das rendas antigas, o que levou à degradação de boa parte do parque habitacional. Ao mesmo tempo, era descurado o problema da falta de casas para famílias de baixos recursos.

Depois de ter sido liberalizado o mercado de arrendamento habitacional, surgiu um novo problema: o “boom” do turismo popularizou o chamado alojamento local, muito mais rendoso para os senhorios.

As rendas em breve subiram para níveis astronómicos, assim como o preço de venda das casas. Os centros históricos das cidades “expulsam” os seus habitantes tradicionais, descaracterizando-se.

Entretanto, o alojamento local já envolve autênticas empresas e fundos, com centenas de andares cada, para alugar a turistas.

O governo de António Costa decidiu enfrentar estes problemas e esboçar uma verdadeira reforma para o sector da habitação – o que é louvável e caso quase único neste executivo apoiado no Parlamento por dois partidos de extrema-esquerda.

Já surgiram inúmeras críticas às soluções apresentadas nas várias frentes que esta questão complexa apresenta. Por exemplo, reduzir para metade o imposto liberatório sobre as rendas associadas a contratos a mais de dez anos não parece suscetível de aliciar muitos senhorios, até porque estes têm na memória os longos anos em que se substituíram ao Estado na função social de proporcionar habitação barata.

E mais eficaz do que requisitar casas para o Estado as arrendar (o que assusta os senhorios) será o próprio Estado, a nível central e autárquico, disponibilizar as muitas casas de que é proprietário para arrendamento a preço acessível. O que já parece começar a desenhar-se em câmaras como a de Lisboa.

Mas estes são apenas exemplos pontuais. Há muitas outras questões que que não podem ser respondidas de forma simplista e demagógica – por exemplo, o seguro que deve proteger o senhorio contra a fuga ao pagamento da renda.

Se o governo quer mesmo uma autêntica reforma, e não uma mera bandeira eleitoral, deve estar atento e aberto às contribuições que possam tornar efetivas as suas boas intenções.