​Os EUA e a Europa
02-05-2018 - 06:30

A rejeição da integração europeia une Trump a extremistas de direita e de esquerda. É uma das faces da hostilidade à democracia liberal.

Ontem, em manifestações sindicais do 1º de Maio, ouviram-se críticas ao ministro das Finanças, Mário Centeno. Nada de inesperado: o PCP e o BE não gostam do empenho governamental em ultrapassar as metas fixadas por ele próprio e pela Comissão Europeia na redução do défice orçamental. Centeno justifica essa posição de prudência com a possibilidade de surgirem problemas externos que dificultem a consolidação das contas públicas portuguesas.

De facto, na zona euro já se nota uma desaceleração do crescimento económico. E a ameaça de “guerra comercial não está afastada: Trump adiou apenas por um mês a decisão sobre a subida de direitos aduaneiros na importação de aço e alumínio vindos da UE, assim como do Canadá e do México. O presidente americano quer concessões destes aliados, que já terá obtido do Brasil, Argentina e Austrália.

É conhecida a hostilidade dos comunistas e do seu braço sindical à integração europeia. Novidade é um presidente dos EUA ter declarado que a UE foi criada para prejudicar o seu país. É um erro histórico básico: os EUA impulsionaram a integração europeia como um baluarte contra o comunismo soviético, que colonizara vários países da então chamada Europa de Leste. E na Europa Ocidental os fortes partidos comunistas de França e da Itália ameaçavam internamente a democracia liberal e pluralista (os comunistas italianos em breve iriam evoluir para uma rejeição da tutela de Moscovo, com o “euro comunismo, enquanto o PC francês se manteria até mais tarde na ortodoxia soviética). O Plano Marshall foi um impulso decisivo pera a recuperação económica da Europa Ocidental e para a sua unificação.

Poderá dizer-se que o colapso do comunismo na URSS e o consequente fim da guerra fria deixaram de justificar a proteção militar dos EUA à Europa e a própria existência da NATO. Creio que se trata de um erro: a relação transatlântica continua a ser necessária face a novos perigos, da agressividade da Rússia de Putin até à crescente afirmação militar da China, passando pelo terrorismo.

Os países europeus não podem manter-se quase sem defesa, confiando na proteção americana, agora incerta. A crítica de Trump ao fraco investimento europeu na defesa repete críticas dos seus antecessores; a diferença está em que Trump não gosta de organizações internacionais, como a NATO, e portanto os países europeus arriscam a sua segurança se continuarem com uma “defesa barata”. A chanceler Merkel, nomeadamente, reconhece que o seu país tem que gastar mais com a defesa militar.

A posição crítica de Trump em relação à UE não tem que ver apenas com despesas militares. Ele quer destruir a ordem internacional que os próprios americanos criaram após o fim da II Guerra Mundial, em particular as organizações multilaterais – atitude que Macron, com notável desassombro, criticou em pleno Congresso de Washington. Por muitos defeitos que a UE hoje tenha – e tem, exigindo reformas – ela ainda é um exemplo único no mundo de partilha de soberania num quadro democrático. Trump, que aplaudiu o Brexit, converge com a extrema-direita (Marine Le Pen, por exemplo) e a extrema-esquerda na sua hostilidade à democracia liberal. O sentimento antieuropeu faz parte dessa hostilidade.