As redes sociais em causa
24-03-2018 - 09:38

O escândalo do Facebook chamou a atenção para os efeitos perversos que as redes sociais podem ter para a democracia.

Os computadores e a internet foram progressos inegáveis. Como jornalista há cinco décadas, conheço bem a diferença entre fazer correções numa máquina de escrever e fazê-las em computador. Ou como é cómodo enviar textos pela internet. E o recurso ao Google, hoje, permite em minutos resolver problemas que, dantes, poderiam demorar horas ou mesmo dias a ultrapassar – por exemplo, confirmar uma data, verificar o nome de um político estrangeiro, etc. Mas foram colocadas expectativas exageradas nas novas tecnologias.

Quando as redes sociais, das quais o Facebook é a rainha, começaram a afirmar-se na internet suscitaram-se grandes esperanças de virem dali novos impulsos à democracia. Toda a gente poderia aceder ao espaço público, dando as suas opiniões. Alargava-se o debate público a muito mais pessoas, para além do restrito círculo dos políticos.

De facto, multiplicaram-se as opiniões sobre tudo e mais alguma coisa – embora grande parte das páginas do Facebook seja preenchida com fotos de parentes e amigos e relatos escritos do próprio, sobre assuntos pessoais sem o menor interesse para terceiros – manifestações de narcisismo, de pessoas que expõem a sua intimidade e, às vezes, se queixam da falta de privacidade do nosso tempo…

E, ao contrário do que acontece em órgãos tradicionais de comunicação social, numerosas opiniões não têm autor identificado, que possa ser confrontado com acusações de calúnia ou pior – manifestações de cobardia e irresponsabilidade. Daí que as redes sociais sejam propícias à publicação de notícias falsas, as famosas “fake news”.

Por outro lado, muita gente que frequenta as redes sociais concentra-se naquelas cujas ideias, políticas e outras, coincidem com as suas. Em vez de debates que impliquem contraditório, predomina o afunilamento da opinião; conversa-se, quando se conversa, com quem pensa como nós, ignorando-se os argumentos de quem pensa diferente. O que explica, por exemplo, a impermeabilidade dos apoiantes de Trump aos factos negativos para ele. Que não faltam, mas são automaticamente descartados pelos adeptos do Presidente dos EUA como sendo falsidades mal intencionadas.

As redes sociais tornaram-se, assim, autênticos veículos de ódio, que fomentam na sociedade o conflito com pessoas de perfil físico e psicológico diferente, de ideias que não coincidem com as nossas, de culturas que nos são alheias.

É o caso dos imigrantes. Ou dos ciganos, que esta semana apresentaram dezenas de queixas à Comissão contra a Discriminação Racial por causa de textos de ódio publicados na internet em Portugal.

Manipulação comercial e política

O caso do Facebook é apenas um de entre muitos que não conhecemos. Em resumo, passou-se o seguinte. Há três anos uma empresa britânica, Cambridge Analytica, acedeu, ao que parece ilegalmente, aos dados individuais de 50 milhões de utilizadores do Facebook.

Também se diz que os dados foram transmitidos com o falso pretexto de que iriam ser usados para fins académicos. Consta que que o Facebook sabia do caso há dois anos, mas nada fez para alertar os utilizadores e as autoridades.

A Cambridge Analytica foi fundada, entre outros, por Steve Bannon, ex-conselheiro ideológico de Tump, e agora promotor de uma espécie de “internacional” de extrema direita.

O presidente desta empresa, entretanto suspenso, foi ouvido por jornalistas do britânico Channel 4, disfarçados de potenciais clientes, a defender coisas como colocar prostitutas à porta de um candidato para o encurralar numa armadilha sexual. E advogou “fake news”, pois “estas coisas não precisam de ser verdade, desde que as pessoas nelas acreditem”.

Por isso, com base em dados subtraídos ao Facebook, a Cambridge Analytica espalhou notícias falsas, beneficiando a eleição de Trump e de muitos outros políticos em eleições em vários países; também terá influenciado o referendo no Reino Unido sobre a eventual saída da UE.

O diretor da campanha de Trump disse na Web Summit de Lisboa, em novembro, “ganhámos as eleições no Facebook”. E o italiano Salvini, líder da Liga do Norte, agradeceu a Deus a existência de redes sociais e nomeadamente do Facebook.

Como escreveu Diogo Queirós de Andrade no “Público”, o Facebook tornou-se num instrumento para manipular emoções – a “melhor arma de intervenção política”.

Mark Zuckerberg, o presidente executivo do Facebook, veio na quarta-feira pedir desculpa por esta situação, já refletida numa grande baixa das ações desta rede social. E prometeu fazer tudo para impedir que escândalos destes se repitam. Não será fácil.

Poder económico

As empresas tecnológicas são, hoje, as mais ricas do mundo, em valor da capitalização bolsista. Ultrapassam bancos, empresas industriais e cadeias de distribuição. Não admira: muitas dessas empresas tecnológicas são financiadas, inconscientemente, por quem usa os seus serviços ditos gratuitos.

Quando utilizamos, por exemplo, o Google (um motor de busca) ou o Facebook (uma rede social) ou a Amazon (uma plataforma eletrónica de vendas de livros e outros bens) ficam lá registados os nossos interesses, preferências, gostos, etc. O que permite vender milhões desses dados a quem deles se possa aproveitar.

É excelente para o “marketing” comercial personalizado de vendedores de bens e serviços, que assim se ajusta ao perfil do potencial comprador, e para o “marketing” político. Há até quem defenda que os utilizadores destas redes e plataformas deviam ser pagos pelos dados que fornecem, sem se darem conta disso.

61% dos gastos mundiais em publicidade vão parar ao Google e ao Facebook; 92% das buscas mundiais através da internet realizam-se através do Google; 44% das vendas pela internet no ano passado nos Estados Unidos envolveram a Amazon. Há aqui, obviamente, problemas de concorrência. Uma área onde a UE tem sido bem mais interventiva e corajosa do que os EUA.

A UE também se tem preocupado mais do que os americanos com os níveis ridiculamente baixos de impostos que estes gigantes informáticos geralmente pagam. A Comissão Europeia apresentou uma proposta: pôr aquelas empresas a pagar impostos diretamente pelos serviços prestados, obrigando-as a pagar onde quer que tenham operações e clientes. Mas é duvidoso que a ideia seja acolhida no Conselho Europeu. Há países, como a Alemanha, que temem a reação de Trump, que pretende forçar as multinacionais americanas a trazer os seus lucros para os EUA.

Exigem-se, assim, novas formas de regulação numa área, a internet, que se vangloriava de escapar a todo e qualquer poder. Incluindo para regular o seu próprio poder, que é excessivo e, por vezes, manipulador.