Um problema antigo e ainda não resolvido
28-07-2018 - 12:10

O desequilíbrio das contas do Estado é um problema crónico do nosso país. Felizmente, o défice orçamental tem diminuído. Mas a dívida pública é uma ameaça.

O défice orçamental português baixou no primeiro semestre do corrente ano, em comparação com igual período de 2017. Parece, assim, bem encaminhada a redução desse défice em 2018, objetivo no qual o ministro das Finanças, M. Centeno, se tem empenhado com unhas e dentes. A pressão da UE tem contribuído para essa redução.

O desequilíbrio das contas do Estado é um problema crónico do nosso país, há séculos. Somos tradicionalmente um povo muito dependente do Estado, com uma débil sociedade civil. O que se tem traduzido em problemas recorrentes nas contas públicas. Mas, desgraçadamente, as empresas e as famílias também se viciaram no endividamento. A taxa de poupança dos particulares portugueses tem vindo a cair e é hoje a mais baixa da UE: apenas 4% do rendimento disponível.

Em 1891 o Estado português foi à bancarrota, o que durante décadas dificultou a obtenção de empréstimos externos a juros razoáveis. Proclamada a República em 1910, três anos depois o então ministro das Finanças, Afonso Costa, conseguiu fechar as contas públicas sem défice. Mas a I guerra mundial (1914-1918) logo fez regressar o desequilíbrio das contas do Estado, para o que também contribuiu a grande instabilidade governamental que caracterizou a I República. Depois, Salazar, que começou por ser ministro das Finanças (1928), conseguiu - em ditadura - pôr alguma ordem naquelas contas, o que lhe deu enorme prestígio e força política. Em 1932 Salazar ascenderia formalmente a chefe do governo (no qual já antes mandava, pelo menos em matéria de despesas públicas) e até 1974 não houve défice orçamental, graças ao regime ditatorial e a alguma contabilidade criativa.

Infelizmente, em democracia, ou seja, depois do 25 de Abril, nunca as contas públicas se equilibraram. O que levou a duas intervenções do FMI, que nos impôs severos limites aos gastos públicos. É que, sem essas intervenções externas (em 1978 e 1983), nenhum investidor estrangeiro emprestaria dinheiro ao Estado português. E sem divisas não poderíamos importar petróleo, cereais, etc. Em 2011 foi pior: à beira da bancarrota, Portugal teve que solicitar auxílio externo. A UE, o BCE e o FMI (a célebre “troika”) concederam-nos um empréstimo de emergência de 78 mil milhões, mas com duras condições – cortes nas pensões e nos salários da função pública, por exemplo. Em junho de 2017 Portugal saiu do chamado procedimento por défice excessivo, mas o Estado ainda não logrou passar de défice a excedente.

Estado bom pagador

Por isso a dívida pública continua a aumentar, o que às vezes provoca confusão nas pessoas – então, depois de tantos sacrifícios, ainda temos uma crescente dívida do Estado? Temos, até porque a dívida pública, que se foi acumulando, paga juros. Neste momento, esses juros são relativamente baixos e Portugal recuperou confiança nos mercados financeiros internacionais. Mas nada garante que nos próximos anos se mantenham baixas as taxas de juro, até porque elas, até há bem pouco, se situavam nos mercados a níveis historicamente baixíssimos.

Como se sabe, há quem defenda que Portugal renegoceie com os credores a sua dívida pública, deixando de pagar uma parte. A Grécia fez isso duas vezes, mas não ganhou grande coisa com tal renegociação. E nós, se fôssemos por aí, arriscávamos sofrer uma brutal subida dos juros, por parte de investidores que passariam a duvidar de virem a ser pagos na íntegra. Daí que simplesmente levantar em público a hipótese de um não pagamento parcial da dívida, ainda que concretizado de forma não unilateral, mas negociada, seja correr o risco de degradar o presente estatuto do Estado português de bom pagador a quem lhe empresta dinheiro.

Tal não significa, porém, que Portugal não troque dívida cara e com vencimento próximo por dívida mais barata, isto é, pagando juros mais baixos, e com vencimento mais longínquo, bem como não procure amortizar antecipadamente dívida com elevadas taxas de juro (como é o caso do empréstimo do FMI). Ora tudo isso tem sido feito, e bem. Mas uma crise na Europa, ou no mundo (por causa da guerra comercial ou de outro motivo qualquer), será suscetível de inviabilizar, na prática, esse tipo de operações. Assim, todo o cuidado é pouco.

Envelhecimento demográfico

Mas a dívida pública é sustentável? É, se tivermos juízo (ou seja, se a prazo não muito longo eliminarmos o défice orçamental) e se tivermos sorte. Se o nosso crescimento económico, que já está a abrandar, desacelerar muito, as finanças públicas ressentem-se. O envelhecimento da população portuguesa é um travão ao crescimento da economia, pois reduz a força de trabalho e, por outro lado, aumenta a despesa do Estado em pensões e na saúde (os idosos têm maiores necessidades médicas).

Por outro lado, a diminuição do défice público que tem sido concretizada fica a dever-se não tanto a cortes na despesa como, sobretudo, ao aumento dos impostos. O que não é saudável e prejudica o crescimento da economia.

Além de que muitos dos cortes na despesa realizados pelo governo do PS tiveram efeitos perversos. Vários serviços públicos, nomeadamente na saúde, pioraram o seu funcionamento, o que prejudica aqueles que não têm posses para recorrer à saúde privada. O investimento do Estado tem sido escasso, até muito inferior ao previsto nos Orçamentos anuais. Por exemplo, nos caminhos de ferro, o que leva a centenas de supressões de comboios, com óbvios problemas para os seus utilizadores.

Cortar racionalmente despesa do Estado exigiria reformas nos serviços públicos e nas empresas públicas, para fazerem mais com menos recursos. Mas a reforma do Estado não avançou no governo de Passos Coelho – limitou-se a uma ridícula página de boas intenções apresentada pelo ministro Paulo Portas. E o governo de A. Costa não pode reformar a sério o que quer que seja, pois a tal se opõem os partidos de extrema-esquerda, BCP e Bloco de Esquerda, que lhe dão a maioria no Parlamento.