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José Luís Ramos Pinheiro

Os refugiados, o mundo, a Europa e Portugal

27 ago, 2015 • José Luís Ramos Pinheiro

É histórica a decisão da Alemanha de abrir portas e acolher todos os refugiados sírios que cheguem ao seu território. O gesto alemão evoca o melhor das raízes europeias e da sua matriz cristã.

O mundo é global. Celebra-se a bondade da globalização nas coisas boas e nos momentos felizes. E daí? De que serve a globalização se nas horas difíceis assobiarmos para o ar, fingindo não ver o óbvio?

A crise dos refugiados é uma crise global que revela a falência de muitas políticas e orientações; e não haverá solução sem respostas globais.

Os Estados Unidos, a Europa e países de outras regiões tiraram o tapete a regimes cruéis, sem perceberem os efeitos na cultura local e na fragilidade estrutural de algumas daquelas sociedades que ficaram à mercê de organizações para-estaduais de raiz violenta, ainda mais intolerantes e totalitárias. O desastre do Iraque, a guerra da Síria, o caos da Líbia e a entrada em cena do chamado Estado Islâmico falam por si.

A pobreza é outro dado global que tantas vezes instrumentalizado funciona como precioso aliado da violência e do terrorismo. Talvez agora os países ditos ricos descubram finalmente, ao menos por interesse próprio, que é urgente agir mais e melhor, favorecendo outras condições de desenvolvimento e melhorando a expectativa de vida de milhões de pessoas que em vários pontos do mundo vivem em contínua privação.

A falta de valores, de expectativas positivas e de desígnio de vida para tantos jovens é também um problema crescente à escala global, favorecendo saltos ingénuos no abismo de uma qualquer aventura radical. A permeabilidade de jovens com pouco acesso à educação e culturalmente “desarmados” é um tema-chave na evolução de muitas sociedades, designadamente no continente europeu.

Sem olhar a estes e a outros factores, é difícil atacar problemas desta natureza. Impõe-se um olhar mais abrangente e uma concertação global a longo prazo. Chama-se isto, talvez, regular a globalização.

Claro que, pelo seu legado cultural e político, a Europa é detentora de enormes responsabilidades e é aflitiva a forma titubeante como (não) tem gerido a questão dos refugiados. Ainda assim, a Europa, só por si, é impotente para resolver crises como esta. Mas a Europa pode contribuir para aliviar a crise e, concretamente, salvar muitas vidas humanas. Neste sentido, é histórica a decisão da Alemanha de abrir portas e acolher todos os refugiados sírios que cheguem ao seu território, suspendendo unilateralmente regras comunitárias sobre imigração.

O gesto alemão evoca o melhor das raízes europeias e da sua matriz cristã. São centenas de milhares de pessoas que fogem da miséria e da guerra; algumas delas têm percorrido nos últimos anos a saga dos campos de refugiados, carregando às costas uma dor imensa e também o pouco que lhes resta de vidas perdidas, no meio da guerra e da perseguição. Rejeitadas e expulsas dos seus territórios, estas pessoas vêem-se também escorraçadas dos novos destinos.

Encurraladas, são convidadas a desistir e a enterrar a esperança de descobrir, longe de casa, uma vida menos má.

Numa decisão que a ser tomada por um pequeno país europeu seria altamente fustigada por alguma nomenclatura europeia “bem pensante”, a Alemanha envia uma forte mensagem a toda a Europa e particularmente à Hungria, para que deixem circular os refugiados sírios e se abstenham de medidas policiais ou outras que incendeiem ainda mais uma crise já de si altamente explosiva.

Não está tudo resolvido. Mas decisões como esta significam que alguma coisa começa a mudar, depois dos apelos incansáveis do Papa Francisco que desde a primeira hora tem confrontado a consciência da comunidade internacional com esta tragédia humanitária.

É pena que em Portugal a crise dos refugiados não mereça mais atenção dos políticos actualmente em campanha. Porventura receosos de efeitos eleitorais potencialmente fracturantes, os nossos dirigentes deviam – isso sim – recordar e acordar o que de melhor temos na nossa história, até na história recente.

Afinal, ainda há 40 anos, um país pobre e de recursos limitados como Portugal acolheu e integrou perto de um milhão de pessoas que regressou de África, em verdadeiro estado de necessidade.

Se recuperarmos a memória, é possível fazer mais e melhor.