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Análise

O Governo não está preocupado com a Grécia? Está, não quer é dizer

18 jun, 2015 • Eunice Lourenço

Crise grega pode comprometer crescimento económico de Portugal e terá efeitos eleitorais.

O Governo preparou e tem repetido todos os dias um discurso de segurança e confiança, garantido que Portugal não sofrerá com o que venha a acontecer com a Grécia. Maria Luís Albuquerque repete o discurso dos “cofres cheios”, Pedro Passos Coelho diz todos os dias que “Portugal não é a Grécia” e até o Presidente da República insiste nas diferenças entre portugueses e gregos.

Cavaco Silva acabou por admitir que os resultados da falta de acordo são "imprevisíveis" e até que pode haver efeitos que "não serão positivos". Mas, mesmo depois da reunião do Eurogrupo, a ministra das Finanças insistiu no discurso da tranquilidade.

“Nós temos os cofres cheios. É certo que é valor de divida, mas é esse montante, essa almofada financeira que nos permite do ponto de vista do financiamento do Tesouro português algum evento mais desfavorável do mercado, seja este ou algum outro que pode ocorrer e, desse ponto de vista, o financiamento do Estado português está assegurando com tranquilidade por um período razoavelmente longo”, disse Maria Luís, no Luxemburgo.

Por detrás deste discurso da tranquilidade, responsabilidade e confiança, há, contudo, preocupação. Fontes governamentais contactadas pela Renascença, admitem que a crise grega e, num cenário cada vez mais admitido, a saída da Grécia da zona euro pode não colocar problemas de financiamento imediato, mas irá comprometer o crescimento económico com que o Governo está a contar, não só para cumprir as metas que estabeleceu, mas para também para rentabilizar em termos eleitorais.

O discurso oficial é que a saída da Grécia não arrastará Portugal, mas há responsáveis que admitem uma grande dose de incerteza. Haverá, certamente, instabilidade nos mercados, os juros da divida portuguesa podem aumentar (como já se viu esta semana), a confiança dos investidores vai voltar a descer e se essa instabilidade durar várias semanas pode estar em causa a recuperação económica que o Governo tanto tem vindo a apregoar e que conta esteja a pesar nos bolsos e nos votos dos portugueses em Setembro e Outubro, quando chegarem a campanha oficial e as eleições.

Embalada por sondagens que mostram uma margem muito pequena de diferença com o PS e que até permitem cenários de vitória eleitoral, a actual coligação conta – ou contava – com essa recuperação para continuar a sustentar o discurso de “os sacrifícios compensam” e de que mais vale confiar em quem tirou Portugal da crise do que apostar em promessas.

A crise grega até pode dar outro trunfo de discurso político ao Governo, que algumas vozes da coligação já começaram a ensaiar: lembrar como António Costa saudou a vitória eleitoral do Syriza e dizer “vejam, vejam o que está a acontecer à Grécia e estes senhores que tanto rejubilaram com o Tsipras podem fazer o mesmo a Portugal”. Mas esse é um discurso que, quando muito, pode levar a sair de casa os eleitores da própria coligação desiludidos que, num outro cenário, seriam abstencionistas e que só um sentimento de grande perigo nacional causado por vitória do PS levará a ir votar.

E a coligação também sabe que, mais do que os discursos, o que vai pesar no voto e na vitória são os bolsos dos portugueses. Por isso, se a Grécia sair mesmo do euro e Portugal não for, de facto, arrastado, essa será uma grande vitória para o Governo e reforçará as suas possibilidades eleitorais. E, se correr mal, corre mal para a coligação, mas também não correrá bem para o PS.