Tempo
|

Graça Franco

Grécia. Alguém já fez umas continhas rápidas?

18 jun, 2015 • Graça Franco

Não está em jogo apenas a falência ou não do discurso da punição exemplar dos infractores tão querido aos políticos alemães. Hoje e amanhã joga-se a Europa.

Ao contrário do que disse Maria Luís Albuquerque, pode "um único país pôr em causa a Europa mesmo contra a vontade dos restantes 27?". Ai pode, pode! Mario Draghi está seguramente entre os que pensam que sim, e não se tem cansado de avisar para a imprevisibilidade do cenário "Grexit", capaz de colocar todo o projecto europeu "em mares nunca dantes navegados!".

Parece um recado direitinho para o país de Camões. É verdade que Portugal tem agora os cofres cheios de 17 mil milhões de euros, amealhados para "o que der e vier". Este pecúlio, embora nos tenha saído caro ao pressupor a acumulação de excessos de liquidez, permite olhar, como sublinhou Passos Coelho, com relativa tranquilidade até final do ano.

Podemos até imaginar uma reserva suficiente para "aguentar" a ausência dos mercados até Junho de 2016. Mas, com uma dívida a rondar os 130% da riqueza nacional (num total de 209 mil milhões contra os 312 mil milhões gregos), é fácil perceber que os nossos problemas não terminam aí. Mais cedo ou mais tarde, o regresso aos mercados, em caso de crise, por muito que aguentássemos os primeiros embates, seria sempre inevitável e aí a vulnerabilidade seria total.

Não por acaso o cenário macroeconómico do PS prevê, para a hipótese "Grexit", uma redução da taxa de crescimento médio nos próximos quatro anos de mais de 2,6% para 0,5%. Em total estagnação e sem possibilidade de redução do desemprego, a ameaça de insustentabilidade da dívida seria crescente, além dos efeitos em dominó da erosão da riqueza nacional em mais de 15 mil milhões de euros. É muito. O PSD não fez as contas, mas as propostas do PEC sofreriam um desgaste equivalente.

Pior ainda, o problema grego (ou, melhor dito, o problema europeu) não se reduz às finanças. Não é por acaso que os Estados Unidos vêem com a maior preocupação uma crise europeia que ameaça lançar a Grécia nos braços da Rússia, no exacto momento em que esta considera que se vive "o pior momento de tensão com o Ocidente pós-Guerra Fria".

Daí o relevo dado ao anúncio feito esta semana de reforço do seu dispositivo de mísseis com capacidade para atingir alvos a 5.500 km, frisando que a artilharia pesada será "capaz de superar qualquer sistema de defesa antimíssil, incluindo os mais certeiros". Além disso, Putin mostra-se disposto a renovar o respectivo arsenal militar em 70% até 2020. As provocações que a aviação russa tem vindo a acentuar em sede de exercícios Nato mostra como o grande urso não hesita em mostrar os dentes.

Podemos deixar que amanhã o líder russo surja aos olhos da opinião pública grega como o único parceiro capaz de desembolsar os 1,5 mil milhões necessários para evitar a bancarrota anunciada para o próximo dia 30, dispondo-se a pagar antecipadamente meia dúzia de contratos de fornecimento de gás? Alguém já fez umas continhas rápidas sobre o que isto representa no gigantesco bolo dos danos colaterais que a instabilidade da Grécia pode causar a toda a Europa?

Tem que haver regras para novas ajudas? Sim. Mas essas regras também não devem repetir erros do passado e, sobretudo, devem prevenir uma deterioração ainda mais acelerada da emergência social no país. Estamos a falar de um país que reduziu o défice, de quase 16% para 3,5, e tem mesmo um excedente estrutural que gostaria de reduzir para 0,75% enquanto a Europa insiste num mínimo de um. Vale a pena continuar um braço de ferro por isto?

As pensões acima de 2.500 euros já perderam dois meses por ano e as que ficam abaixo registam quebras de 20 a 50%, desde o início do resgate. Tem mesmo de se continuar a cortar aí forçando um Governo a cair no descrédito interno absoluto? Não haverá possibilidade de ser um bocadinho mais criativo sem parecer que a demagogia do Syriza acaba premiada?

Os bancos estão de cofres vazios. Os autarcas gregos do próprio Syriza já desobedecem à lei imposta pelo Governo e recusam disponibilizar os seus fundos de tesouraria para pagar ao FMI, alegando que não poderão continuar a fornecer refeições às crianças das escolas e a ajudar a Igreja Ortodoxa a matar a fome aos idosos mais pobres. A Grécia ameaça cada vez mais implodir socialmente e é preocupante que comece a sair à rua não para derrubar, mas para apoiar o Governo eleito há seis meses. O desespero é sempre mau conselheiro.

Os partidos da oposição já deram a mão ao Governo para que seja possível encontrar um acordo que mantenha a Grécia no Euro indo ao encontro da vontade de 80% do povo. O ideal seria que tivessem internamente a força necessária para apostar numa solução de compromisso interno mas as pontes são cada vez mais escassas.

Hoje e amanhã não estará apenas em jogo a sorte política do Syriza, e indirectamente do Podemos em Espanha. Não estará apenas em avaliação a inevitabilidade de um certo discurso "austeritário". Nem se joga apenas a possibilidade ou não de afrontamento da opinião pública dos países nórdicos (a que começa a faltar a paciência) ou a justiça relativa face aos países de Leste chamados a forçar os seus contribuintes pobres a ajudar os gregos estatisticamente mais ricos.

Não está em jogo apenas a falência ou não do discurso da punição exemplar dos infractores tão querido aos políticos alemães. Hoje e amanhã joga-se a Europa. E neste jogo alguém terá de perceber que não se pode deixar que o senhor Tsipras roube subitamente o futuro aos outros 27. Porque ele pode. Infelizmente pode.

Política, economia, relações internacionais e sociedade só são coisas distintas nas páginas dos jornais e nas cabeças dos "pequenos" políticos. A vida é tudo isso. A ameaça de guerra é real (ouça-se a voz da experiência de Loureiro dos Santos ou de Adriano Moreira e leiam-se as preciosas análises de Miguel Monjardino).

Vale a pena lembrar que o primeiro objectivo da União Europeia não foi o mercado livre, mas garantir um futuro de paz e cooperação entre uma multiplicidade de países onde ainda cheirava a morte.