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Raquel Abecasis

"Homens e mulheres como nós"

20 abr, 2015 • Raquel Abecasis

A solução para a tragédia do Mediterrâneo não é fácil, mas torna-se impossível enquanto não entrar nas nossas cabeças que os homens são todos iguais vivam onde viverem.

A solução para a tragédia do Mediterrâneo não é fácil, mas torna-se impossível enquanto não entrar nas nossas cabeças que os homens são todos iguais vivam onde viverem.

Quantos mortos são precisos no Mediterrâneo para o mundo ocidental perceber que não pode ficar parado?

Esta é a pergunta que mais uma vez fazemos depois de este fim-de-semana termos sido abanados com o naufrágio de mais uma embarcação ao largo da Líbia cheia com cerca de 900 pessoas a bordo, ao que se sabe, algumas delas presas no convés sem possibilidade de sequer se tentarem salvar no mar.

Foi preciso mais este barco para o Mediterrâneo voltar a ser notícia, porque só ao longo da semana que passou outras tantas embarcações tentaram atravessar este mar e, sem contas exactas, estima-se que cerca de 300 pessoas tenham perdido a vida.

As Nações Unidas vêm agora pedir medidas urgentes à União Europeia e eu pergunto: independentemente do que é necessário fazer na Europa, afinal para que são precisas as Nações Unidas senão para agirem em situações como esta?

E, já agora, os Estados Unidos não terão também nada a ver com isto, sendo certo que muita desta gente foge ao caos e à guerra que a diplomacia norte americana plantou no Médio Oriente depois do 11 de Setembro?

A comparação é triste, mas verdadeira. Cento e cinquenta mortos numa tragédia de avião na Europa são o suficiente para pôr o Ocidente em choque e a tomar medidas imediatas para evitar situações semelhantes. Milhares de mortos no Mediterrâneo continuam apenas a ser motivo para notícias esparsas na comunicação social e declarações de preocupação.

A Europa, como sempre, assobia para o lado e continua a agir tarde e a más horas com a desculpa de que este não é o nosso problema. A Europa das liberdades passou a ser a Europa dos egoísmos, que diz ao seu parceiro italiano: o problema é teu, amanha-te.

Há dois anos, quando o Papa Francisco foi a Lampedusa, parecia que o gesto tinha sido suficiente para acordar as consciências para o cemitério em que o Mediterrâneo se estava a transformar. Já nessa altura, como no domingo, Francisco falava de "homens e mulheres como nós".

Mas este alerta não chegou. A tragédia aumenta todos os dias – já hoje mais duas embarcações naufragaram – e a Europa, as Nações Unidas e os Estados Unidos, no fundo, continuam a agir como se estas pessoas não fossem homens e mulheres como nós.

A solução para a tragédia do Mediterrâneo não é fácil, mas torna-se impossível enquanto não entrar nas nossas cabeças que os homens são todos iguais vivam onde viverem.

Se realmente percebermos que do norte de África vêm "homens e mulheres como nós à procura da felicidade", como repetiu no domingo o Papa Francisco, todos os esforços internacionais se hão-de reunir para encontrar soluções.