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Graça Franco

Da quadrícula para a política

17 abr, 2015 • Graça Franco

Fiel ao seu estilo, Passos continua a comprometer-se na Europa com o preenchimento de verbas pré-fixadas e inscritas em "quadrículas", das quais se retiram depois as respectivas políticas, necessárias e suficientes para as conseguir.

Quando se esperava que o Governo anunciasse uma nova estratégia mobilizadora e reformista para pedir aos portugueses um segundo mandato, os seus potenciais apoiantes assistem frustrados à apresentação de uma meia dúzia de compromissos assumidos em Bruxelas, tão ou mais improvisados do que as medidas impostas no programa da troika.

Fiel ao seu estilo, Passos Coelho continua a comprometer-se na Europa com o preenchimento de verbas pré-fixadas e inscritas em “quadrículas”, das quais se retiram depois as respectivas políticas, necessárias e suficientes para as conseguir.

Um exemplo paradigmático: o Governo anuncia, desde já, que pretende utilizar nos próximos quatro anos, a nova “flexibilidade orçamental” concedida ao país como prémio pela saída do procedimento de défices excessivos.
Mas em que é que vai usar a “derrapagem” de 400 milhões, em quatro anos? Não sabe ainda.

A ministra das Finanças, a título de exemplo, limita-se a enunciar quatro fins possíveis: redução da carga fiscal sobre o trabalho (o mais expectável para o seu eleitorado), reforço do investimento em novas infra-estruturas de energia (mais ao jeito do PS), financiamento de rescisões no quadro da reforma do Estado ou reforço da Segurança Social para permitir avançar com o velho plafonamento. Quase tudo e o seu contrário…

Em matéria de desagravamento fiscal sobre o trabalho (a velha bandeira eleitoral de 2011) tudo o que se garante é a permanência das medidas extraordinárias até 2019. A sobretaxa de 3,5% terá um apenas um corte de 0,875 no próximo ano para ir desaparecendo em seguida gradualmente nos anos seguintes.

Já as empresas terão maior sorte com a sobretaxa cobrada ao sector da energia a acabar mais cedo, a par da prometida redução do IRC também a ritmo lento até acabar nos 17% em 2019 (cumprindo o mínimo prometido no acordo com o PS).

Nos impostos sobre o património anuncia-se também a concretização do fim pré-anunciado do IMT que Poiares Maduro prometia que não seria substituído por nenhum outro imposto.

Afinal, corrigindo o colega, Maria Luís anuncia a troca pelo imposto de selo de forma a evitar a sua substituição pelo IVA (por ameaça de Bruxelas).

Deste arrazoado de medidas soltas surge um único objectivo claro: conseguir um excedente orçamental de 0,2 pontos em 2019. Pouco, mesmo se conseguido agora com um crescimento maior (2,4% nos últimos três anos contra os 1,8 previstos no anterior documento de estratégia orçamental).

Apesar do reforço no crescimento, o desemprego continuará superior a 11% e a dívida não descerá abaixo dos 107% mesmo em final do período. Os dois indicadores continuarão assim, oito anos passados em austeridade, a níveis superiores aos atingidos na pré-bancarrota.

Quanto aos salários da função pública só serão integralmente repostos em 2018 confirmando a intenção de proceder à sua reposição ao ritmo de 20% ao ano, desafiando mais uma vez a paciência do Tribunal Constitucional.

Como, na quinta-feira, desabafava Morais Sarmento na RTP, para saber destas medidas mais valia à direita não as conhecer. Este é provavelmente o seu único mérito. Dificilmente poderão ser chamadas de eleitoralistas.