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Graça Franco

Na Madeira o PS implodiu. E no Continente?

30 mar, 2015 • Graça Franco

Ou o partido acorda e reage ou não está a salvo de um desaire eleitoral nas próximas legislativas nacionais.

António Costa vai tentar continuar a fingir-se de morto e esperar que passe o efeito do desastre socialista madeirense. Mas faz mal. Há lições urgentes a tirar da catástrofe eleitoral regional de domingo caso queira evitar a sua repetição no Continente. Álvaro Beleza já retirou algumas conclusões óbvias, mas resta saber se Costa vai ouvir os conselhos e, sobretudo, se está sequer em condições de os querer acatar.

1º - Não basta o discurso da " renegociação da dívida". É fundamental começar a enumerar propostas que dêem substância a um verdadeiro programa de Governo, que se mostre alternativo e que, dando "esperança ao país", possa ser visto como verdadeiramente "reformista", designadamente no referente à necessidade de reforma do Estado. A leitura é de Álvaro Beleza, mas a questão que se coloca é a de saber se estes conselhos de bom senso do ex-número dois de António José Seguro se adaptam a Costa. Quer este PS reformar alguma coisa nomeadamente no Estado? Ou nessa área o que continua a fazer caminho entre os "costistas" é sobretudo o regresso ao socratismo?

2º - Um frentismo em que o PS abdica da sua credibilidade enquanto partido de governação e está disposto a vender a alma ao diabo está votado ao fracasso. No caso madeirense a recusa da mão da "noiva" centrista que se oferecia, em casamento de conveniência regional, foi provavelmente uma boa opção de Vítor Ferreira (até porque atrapalharia qualquer estratégia futura nacional). O desastre só surge porque o líder socialista demissionário não percebeu que a alternativa não passava por uma espécie de vale tudo eleitoral.

A credibilidade do PS não é compatível com palhaçadas políticas e populismos excêntricos. Uma aliança com o trabalhista José Manuel Coelho não pode ser vista à luz redutora do vamos ao encontro de um punhado de descontentes para pescar ali "mais três deputados". Na Madeira a estratégia levou o PS para uma coligação que acabou com menos de metade do número dos deputados conseguidos em 2011 pelos quatro parceiros isoladamente. Pior ainda, os seis deputados conseguidos igualam os obtidos há quatro anos pelo PS sozinho, o que já era o seu pior resultado de sempre.
Para cúmulo, os socialistas estão enredados numa embrulhada de compromissos eleitorais com parceiros pouco recomendados (ainda há o Partido dos Animais e da Terra, na coligação pela mudança) e nem é seguro que o indisciplinado Coelho não venha a fugir da bancada. No Continente, os frentismos piscando o olho à esquerda populista, mesmo na versão "light moderna", terão os mesmos ou piores riscos.

3º - Há demasiados pescadores no tanque do PS onde o potencial eleitorado exige novas formas de fazer política que vão ao arrepio da herança socrática e Costa não parece estar a perceber o filme, nem a importância de descolar do fantasma de Évora.

No Continente a reacção deselegante à candidatura de Henrique Neto (uma espécie de corredor solitário das hostes socialistas) é sintomática do "autismo" político da nova direcção socialista sobre a importância de pôr o bem comum acima do interesse partidário imediato. Não perceber a urgência de mostrar uma prática diferente da que caracterizou ao longo dos últimos anos a rotatividade do "centrão dos interesses" e a necessidade de pôr em prática uma gestão próxima do povo e acima de qualquer suspeita de nepotismo e tráfico de influências é grave. O Juntos pelo Povo dos irmãos Sousa, na Madeira, mostra que dois meses de partido podem bastar desde que a somar a mais de seis anos de militância cívica ao estilo do Podemos espanhol (mas sem o seu extremismo ideológico) para igualar o resultado socialista. E perante isto Costa ainda pode pensar que não aconteceu nada?

4º - A Madeira enfrenta uma dívida astronómica (7 mil milhões) e uma espécie de plano de resgate regional (1,5 mil milhões de empréstimo de emergência) e, apesar da obra feita, não anda longe da chamada "bancarrota". O desemprego continua altíssimo e os juros levam quase um quarto do Orçamento. Os impostos subiram como nunca nos últimos anos e, mesmo assim, a 40 anos de jardinismo seguiu-se nova maioria absoluta do PSD.

É verdade que a dependência do emprego público (um em cada quatro empregos na região) é bastante superior à do Continente e pode explicar muito da resiliência do que em ciência política parece apontar para o caso de um partido autonómico-dominante, mas, para maior ironia, a liderança da "oposição" continuará nas mãos do CDS (Portas dixit, cavalgando uma pretensa vitória, com a desfaçatez que o caracteriza face ao seu parceiro de Governo nacional…). No Continente a situação tem mais pontos de semelhança do que de diferença.

Na Madeira o PS implodiu. No Continente, ou o partido acorda e reage ou não está a salvo de um desaire eleitoral nas próximas legislativas. A diferença entre PS e coligação no poder, dizem as mais recentes sondagens, joga-se "na margem de erro". Se Seguro continuasse à frente do PS quantos estariam a pedir ainda hoje a respectiva cabeça?