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Graça Franco

Morte na praia

13 mar, 2015

Ou alguém de bom senso põe ordem no barco e se agarra ao leme ou corremos, de novo, risco de naufrágio, com a praia à vista.

Não. O ministro das finanças alemão não disse do colega grego que ele era “estupidamente ingénuo”. Parecia verosímil, mas não é, afinal, verdade.

O que o ministro alemão disse e os jornais gregos, aparentemente, não perceberam, devido a um erro de tradução, foi que o ministro grego o surpreendeu por, “de repente”, ele, que até parecia um perito em comunicação e tinha tão boa imprensa, também se queixar dos jornalistas, confidenciando-lhe, em conversa a dois, que “eram terríveis” e “não percebiam nada do que ele dizia”.

Na história contada por Schäuble, a expressão “de repente”, por ter em alemão uma sonoridade parecida, acabou erradamente traduzida por “estupidamente” ou “tolamente” e, a partir daí, gerou-se a confusão.

Pior foi a reacção do próprio ministro grego perante o relato da conferência de imprensa onde o colega alemão se tinha mostrado simplesmente surpreendido com o facto de ele também precisar de ter algum cuidado com os jornais.

Varoufakis confiou na tradução dos jornalistas e, sentindo-se insultado, antes de mesmo de confirmar a história com o colega, apressou-se a exigir um pedido formal de desculpas do Governo alemão, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Ou seja, por suprema ironia, o ministro do Syriza que não tinha sido chamado de “estupidamente” ingénuo face à media agiu como se o fosse.

E porque é que a "gaffe" do ministro alemão não foi prontamente desmontada e desmentida nas horas seguintes, fazendo o seu caminho durante mais de dois dias com comentadores a analisar o caso um pouco por toda a Europa? A pergunta faz sentido.

A primeira explicação é óbvia e resume-se à circunstância de muitos jornalistas desconhecendo alemão terem tomado como boa a tradução dos colegas gregos, sem mais confirmação. Mas a verdadeira justificação é outra e prende-se com o facto da tradução errada, embora “chocante”, parecer absolutamente verosímil face ao clima de tensão crescente no triângulo Atenas-Bruxelas-Berlim. E a mera verosimilhança é grave e justifica debate.

Bastava ter assistido ao discurso do presidente do Eurogrupo para ver na frase do ministro alemão a verbalização da atitude do colega dinamarquês. Este, sem utilizar expressamente nenhum insulto, disse alto e com bom som, e sem erros de tradução, que para ele “bastavam ” as semanas de “tempo perdido” a discutir com os gregos “quem falava com quem, onde e sobre que temas” pelo que decidira que não se perderia nem mais um minuto nesse tipo de discussão e era chegado o tempo de efectivamente começar a trabalhar no que “verdadeiramente interessa”.

Nessa outra conferência de Imprensa, o aluno grego foi efectivamente humilhado perante toda a turma com o equivalente a um ríspido “ já chega de conversa, vá lá trabalhar!”. Merecia um pedido de desculpas.

Ao tom desabrido do presidente do Eurogrupo e ao paternalismo sonso do ministro das Finanças alemão que parecem puxar a corda à beira de partir, soma-se a força bruta das gafes do narcísico ministro grego das Finanças na sua desastrada relação com a imprensa internacional. Como se isto não bastasse acresce a escandalosa chantagem sobre os parceiros europeus exercida pelo colega de coligação de extrema-direita.

O ministro da defesa grego disse, nada mais, nada menos, que se a Alemanha não cedesse em matéria económica ele faria com que Berlim fosse invadida por imigrantes ilegais (incluindo militantes do autoproclamado Estado Islâmico). Anunciou, com pompa e circunstância, que não hesitaria em dar livre passe aos milhares de ilegais que hoje se encontram em centros de detenção grega sob a sua alçada. O pior é que, ao contrário do insulto alemão, esta ameaça além de verdadeira e perigosa é igualmente verosímil.

Com actores deste calibre dos dois lados da corda o cenário de quebra parece real. Exactamente agora que a tempestade parecia serenar e a barca da Europa parecia ter ultrapassado o risco de naufrágio. Os juros estão a níveis historicamente baixos até em Portugal, o euro já desvalorizou mais de vinte por cento desde início do ano (num inesperado bónus às exportações) e o petróleo que se esperava que estabilizasse perto dos 80 está afinal vinte dólares abaixo. Os rombos no casco estão ainda um pouco por todo o lado mas barco parecia ter ganho força suficiente para chegar a terra.

Dos companheiros gregos já só se esperava que ajudassem a acertar a rota, e eis que eles ameaçam com desordens a bordo, e desatam aos saltos. Ou alguém de bom senso põe ordem no barco e se agarra ao leme ou corremos, de novo, risco de naufrágio, com a praia à vista.