Emissão Renascença | Ouvir Online

Graça Franco

Remetidos ao silêncio

30 jan, 2015

Ataques do Boko Haram destruíram mais 45 igrejas no Níger só na última semana.

No maior país da Africa Ocidental, o Níger, o cristianismo passou esta semana à clandestinidade, a lembrar como nunca as perseguições aos primeiros cristãos. Para já, nem uma única missa, um único serviço religioso, poderá ser rezada. Os próprios bispos aconselharam a fuga aos poucos religiosos sobreviventes aos ataques do Boko Haram, que só na última semana destruíram mais 45 igrejas no Níger. Os terroristas radicais ligados à Al-Qaeda ganharam uma preciosa batalha na sua guerra “pela eliminação total de todos os cristãos no país”. Não conseguiram ainda exterminá-los mas remeteram-nos ao silêncio.

A pergunta é recorrente: porque não conseguimos vencer a indiferença de uma comunidade internacional anestesiada face ao terror destes extremistas construtores da barbárie? Porque é que mesmo depois do abanão de Paris continuamos quase em silêncio perante os massacres sistemáticos e recorrentes, numa faixa cada vez mais vasta do continente africano. Só esta semana mais uma dezena de cristãos encontraram o martírio e os sobreviventes feridos contam-se pelas centenas.

Estamos a falar de países com os quais se cruza a história de algumas das grandes potenciais internacionais. A Nigéria foi uma colónia britânica e com os 174 milhões de habitantes é o país mais populoso da África. O seu vizinho, do Norte, o Níger foi uma colónia francesa e é ainda o maior país do Continente (embora mais de 80% do território se espalhe no deserto).

Os dois países, que conquistaram a independência em 1960, são hoje campo aberto para todo o tipo de lutas internas e inter-étnicas, que favorecem o crescimento imparável do movimento terrorista extremista do Boko Haram.

Em Abril a comunidade internacional estremeceu de horror com o rapto de 200 meninas de uma escola ocidental na Nigéria. Os relatos de abusos e escravatura sexual a que foram submetidas as crianças raptadas conseguiram, nessa altura, algum espaço nos jornais. Os Estados Unidos e a França prometeram então dar ajuda na libertação das crianças e na perseguição dos terroristas mas a indignação ficou-se sobretudo pelas palavras.

O nome destes terroristas radicais diz muito sobre o que são: grosso modo a tradução da expressão Boko Haram significa “toda a educação ocidental é proibida”. Não há possibilidade de convivência, dialogo, partilha, aproximação. Não há “choque de civilizações”, há simples recusa da própria noção de civilização e culto da barbárie extrema, alimentada pela leitura radical do Corão, cujo “estudo” é o único conhecimento permitido.

O inimigo são todos os “outros” (muçulmanos incluídos) desde que não façam uma interpretação literal das palavras do profeta e não levem por diante a guerra sem tréguas pelo extermínio de todos os “infiéis”. O objectivo assumido é o de que nem um só cristão sobreviva para contar a história. O filme do ódio, com base na perseguição religiosa, repete-se nas mais variadas geografias, reunindo no mesmo terror católicos, evangélicos, e uma série de religiões africanas, 70 anos depois da tragédia de Auschwitz. Percebem-se as lágrimas dos sobreviventes ao temerem que o seu passado possa encontrar paralelo no futuro dos filhos.

Tem sido notável a capacidade de resistência e martírio dos cristãos nestes países. A Sul da Nigéria (onde antes se concentravam as várias confissões cristãs) a perseguição, vinda do Norte islamizado, é crescente. No Níger, em Outubro, apesar das perseguições ainda se inauguravam igrejas. Foi nessa altura que a Ajuda á Igreja que Sofre conseguiu reconstruir uma, entregue até esta semana ao cuidado das irmãs da congregação da madre Teresa de Calcutá. As irmãs sobreviventes ao massacre, depois de verem a sua igreja de novo reduzida a escombros, estão agora refugiadas.

A denúncia dos novos massacres levou hoje à promessa de uma nova intervenção, agora das forças da União Africana contra os terroristas. Sabe a pouco. E dói perceber que o silêncio cúmplice encontra explicação no facto do Níger, além de não ter petróleo, ser recorrentemente o último país na escala do desenvolvimento humano.

São 12 milhões de almas tão pobres que o mundo se esquece que na sua extrema pobreza já houve tempos em que o seu subsolo foi conhecido pela abundância de urânio. Será que nem essa recordação nos fará acordar?