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Aura Miguel

O dom das lágrimas

19 jan, 2015 • Aura Miguel

Os seis milhões de fiéis na missa de Manila batem certamente recordes de Guinness. Mas o sucesso desta viagem revelou a beleza de uma profunda simplicidade que nem sempre as palavras conseguem definir.

A pequena Glyzelle tem 12 anos e vive hoje numa instituição que tenta recuperar crianças abandonadas. A miúda começou a ler diante do Papa umas perguntas dramáticas sobre a realidade dos meninos da rua, que ela própria experimentou: “Porque Deus permite coisas do género se as crianças não são culpadas? E porque tão poucas pessoas nos ajudam?”

Mas Glyzelle, lavada em lágrimas, parou de ler. Quando se recompôs e acabou as perguntas abraçou-se ao Papa.

Não sei o que foi mais comovente: se a atitude da menina, se a reacção de Francisco. É que, apesar da sua habitual expressividade, onde não faltam abraços ternos e acolhedores, desta vez, aquelas lágrimas levaram o Papa a alterar o discurso que tinha para fazer. Pôs de lado o texto escrito e deixou falar o coração: “Vejam só, ela fez perguntas para as quais não encontramos respostas, fê-las através das lágrimas; muitas vezes, só pelas lágrimas chegamos lá”. Depois, desabafou: “Falta ao mundo de hoje a capacidade de chorar, pois há certas realidades da vida que só percebemos através das lágrimas”.

Com este critério podemos entender esta viagem de milhares de quilómetros à Ásia, quer no encontro com os que sofreram o horror de 30 anos de guerra civil do Sri Lanka, quer com as vítimas do tufão, nas Filipinas, com as crianças abandonadas e tanta gente simples que apesar da chuva vieram ao seu encontro, aos milhões. Porventura, não foi isso que também fez Francisco, ao enfrentar a tempestade em Tacloban e, encharcado até aos ossos, marcar presença junto dos sobreviventes do Yolanda, pedindo desculpa “por não ter palavras que respondam a tanto sofrimento”?

Os seis milhões de fiéis na missa de Manila batem certamente recordes de Guinness. Mas o sucesso desta viagem revelou a beleza de uma profunda simplicidade que nem sempre as palavras conseguem definir. Só mesmo as lágrimas.