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Graça Franco

Natal num mundo perigoso

22 dez, 2014 • Graça Franco

Entre 100 a 200 milhões de cristãos celebrarão este Natal em clima de forte privação de liberdade em pelo menos 60 países.

Hoje é para muitos cristãos, espalhados pelo mundo, a véspera da partida se quiserem chegar a tempo às celebrações do Natal. Espera-os muitas horas de caminhada intensa, palmilhadas entre perigos constantes. Levam com eles centenas de pequenas “encomendas” de orações que os que os que não podem partir lhes entregam. Alguns não chegarão à missa do galo e vão pagar com a vida a ousadia de tentarem alcançar um dos escassos locais de culto cristão que ainda sobrevivem num dos 20 países com séria privação da liberdade religiosa. O Natal de 2014 será para estes celebrado na mais profunda clandestinidade em refúgios, tendas e abrigos a fazer lembrar o primeiro.

Na Somália a simples notícia de conversão ao cristianismo dá direito à pena de morte. Na Coreia do Norte aos cristãos espera-os os campos de concentração onde hoje já se encontram mais de 50 mil irmãos na fé. Nas Maldivas ser cristão dá direito a perder a cidadania reservada exclusivamente a muçulmanos e no Usbaquistão oferecer o Evangelho dá direito a prisão. Isto para não falar no Sudão e no Paquistão onde são recorrentes os actos de perseguição e horror.

No último ano segui de perto o relato daqueles que na Argélia (onde há hoje muitos portugueses emigrados) pretendem assistir semanalmente à missa dominical em clima de permanente aventura. Há quem fique de vigia à celebração e todos conhecem a saída “discreta” pela sacristia em caso de ameaça de ataque extremista. É bonito saber que também aí há muçulmanos tolerantes e moderados que constituem uma espécie de rede de protecção e que arriscam a vida para ajudar os cristãos a celebrar a sua fé. O anúncio do Evangelho é estritamente proibido o que faz com que nenhum cristão possa, em rigor, viver a sua fé em plenitude.

Na Nigéria, país mártir do Boko Haram, o terror do rapto e o massacre espreita cada acto de culto. Mais uma vez este ano os cristãos farão turnos para assistir à missa na esperança de prevenir os célebres ataques natalícios das forças extremistas das milícias anticristãs. Grupos que melhor se designariam de anticivilização apostados que estão, por exemplo, na proibição da educação e escolarização das mulheres.

Na Síria serão mais de 400 mil os cristãos que fugiram do país, nos últimos meses, e que celebrarão a véspera de Natal em tendas, nos campos de refugiados construídos nos países vizinhos, para onde fugiram na esperança de escapar às forças da perseguição corporizadas na nova ameaça do Estado Islâmico. Há cidades cristãs e que ficaram literalmente desertas. No Iraque não será melhor.

Se reunirmos o levantamento feito por uma pluralidade de organizações (Ajuda à Igreja que Sofre, Amnistia Internacional, Aliança Evangélica, etc.), chegamos ao impressionante número de 165 mil cristãos massacrados só este ano em virtude de lutas étnicas e religiosas. Dos mais de dois mil milhões de cristãos no mundo haverá entre 100 a 200 milhões que celebrarão este Natal em clima de forte privação de liberdade em pelo menos 60 países onde os direitos humanos dos cristãos estão seriamente limitados em função da respectiva fé. A China, que se apresenta como a grande potência do futuro, é apenas um deles.

Não podemos perder a noção de festa e entrar em depressão. Mas, enquanto damos graças a Deus por vivermos num país em liberdade, não devemos deixar de pensar que ela é um bem frágil e cuja manutenção exige uma defesa constante e atenta que nos deve mobilizar a todos e todos os dias.

O Mundo está a ficar perigoso, à nova ameaça global do Estado Islâmico, somam-se os sinais de regresso à Guerra Fria que supúnhamos morta e enterrada. O súbito empobrecimento da Rússia e a crescente arrogância autoritária e nacionalista de Putin não auguram nada de bom. Há demasiadas semelhanças com os meses que anteciparam a segunda grande guerra. E se é verdade que a História não se repete, vale a pena recordar que ela serve também para lembrar os erros passados prevenindo o futuro. Boas festas.