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Graça Franco

Henrique Leitão

12 dez, 2014 • Graça Franco

Sabe tão apaixonadamente de cinema e música como de física e literatura e é nessa completude entre artes e ciências que constrói o seu perfil original, onde também avulta um magnífico testemunho de fé.

Mais do que a rara qualidade intelectual e o rigor científico, como investigador e historiador da ciência, que o Prémio Pessoa visa justamente distinguir, em Henrique Leitão, o que o torna verdadeiramente único e inspirador para os seus concidadãos é a raríssima qualidade e completude que sempre caracterizaram a pessoa, mesmo sem prémio. É por isso que poucas vezes uma distinção, como a que agora lhe foi atribuída, fará tanto sentido e terá sido tão amplamente merecida.

As primeiras declarações de Henrique Leitão à Renascença – que durante longos meses enriqueceu com as suas crónicas lidas semanalmente ao microfone – são bem significativas dessa qualidade pessoal única que o caracteriza. Não se esqueceu de partilhar com os outros (em concreto com a sua equipa) os louros do seu trabalho científico e com os mais desfavorecidos os anunciados benefícios materiais. “Darei certamente uma parte porque o estado da sociedade assim o reclama”.

Sou testemunha próxima desta sua genuína e constante modéstia e preocupação solidária, porque tenho tido a sorte de me cruzar frequentemente com ele. Henrique Leitão, em matéria de atenção ao outro, não prega, faz!

Dele pode dizer-se, com verdade, que revolucionou a História das Ciências, área em que se especializou como investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Foi o mais jovem membro da Academia de Ciências Portuguesa e um dos mais jovens membros da Academia Francesa de Ciências. É, além disso, um verdadeiro professor no sentido mais puro do termo. Incentiva a dúvida e a busca de caminhos, ama a controvérsia para procurar a verdade, iluminando-a com a luz da cultura, do conhecimento e da multidisciplinariedade.

A academia fica a dever-lhe a coordenação científica da edição crítica (em seis volumes já publicados) da obra integral de Pedro Nunes, sendo que cada introdução feita pelo historiador, a cada volume, tem enorme mais-valia e reflecte o conhecimento quase enciclopédico do investigador.

Devemos-lhe também o conhecimento dos verdadeiros contributos para a ciência da fascinante figura de Galileu Galilei, com verdadeiro rigor científico e expurgada dos velhos estereótipos. Foi ele que em 2010, por ocasião do encerramento do Ano Internacional da Astrologia, fez a primeira tradução anotada para português da obra “Siderius Nuncios” (O Mensageiro das Estrelas), que considerava "um livro único na história da ciência e uma das obras mais importantes em toda a história do pensamento ocidental”.

Henrique Leitão tem ainda o mérito de multiplicar, ao seu redor, a ciência porque a torna atractiva e acessível. Facto que ficou patente na exposição realizada na Fundação Gulbenkian, “360º Ciência Descoberta”, de que foi curador e que encerrou com um número recorde de entradas. Um trabalho precioso e que encheu de orgulho os portugueses confrontados com reconhecimento dos passos de gigantes dados pelos povos peninsulares, numa pluralidade de domínios (da astronomia, à zoologia, passando pela botânica ou as ciências náuticas) durante o período dos descobrimentos.

O júri do prémio destaca ainda os seus contributos para resolver o problema científico na base do estudo da origem da cartografia moderna (com a reflexão em torno do Método de Projecção de Mercator). Um avanço científico de repercussão internacional.

Para os investigadores, com quem trabalha, ou a pequena multidão de jovens que Henrique sabiamente atrai pela sua cultura e disponibilidade para dinamizar uma espécie de tertúlias informais permanentes é um desafiador repositório de perguntas em busca das melhores respostas. Não prega as vantagens da difusão científica, simplesmente faz.

Sabe tão apaixonadamente de cinema e música como de física e literatura e é nessa completude entre artes e ciências que constrói o seu perfil original, onde também avulta um magnífico testemunho de fé. Este galardão recebido aos cinquenta anos terá certamente pela frente muitas décadas de trabalho ainda a realizar, mas é bom que não se tenha esperado mais para lhe reconhecer a grandeza e o mérito.