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José Luís Ramos Pinheiro

Os líderes e as receitas velhas

03 dez, 2014 • José Luís Ramos Pinheiro

A restauração (possível) da independência começa cá dentro: na construção de uma vontade nacional, baseada numa visão assumida pela maioria da população e das instituições sociais.

O discurso que usa é de alguém que diz o que pensa; e que pensa no que diz. Dele não se poderá dizer que não tem ideologia: é, claramente, um homem de esquerda. Por isso, no congresso de arranque da sua liderança como secretário-geral do PS, António Costa pareceu virar-se para a esquerda. Como? Desafiando bloquistas e comunistas a juntarem-se ao PS, abdicando do conforto do mero protesto que não confere responsabilidades.

Sobre o Bloco de Esquerda, conhece-se o fascínio ideológico que exerce sobre uma parte do PS. Sobretudo nos anos de Francisco Louçã, o Bloco tem comandado a agenda. Será curioso perceber se o PS continuará a deixar-se comandar ideologicamente de fora; ou (no que é outra forma de consentir tal domínio) se embarca num frenesi ideológico, empunhando, por antecipação, o facho de todas as questões fracturantes.

Quanto aos comunistas, a celebração dos 25 anos da queda do muro de Berlim confirma que o PCP permanece coerente na sua história e não arrisca um mínimo de avaliação crítica sobre o que se passava na União Soviética e nos países do chamado bloco soviético. Basta ver como o grupo parlamentar do PCP se opôs a um voto de congratulação pela queda do muro de Berlim no parlamento, classificando-o como “mais uma tentativa para reescrever a história e branquear a realidade actual”. Construir o futuro (governo) com esta leitura do passado, parece ser obra impossível, mesmo para o novo secretário-geral do PS.

António Costa conhece as dificuldades. Por isso, e enquanto convida a esquerda a sentar-se com ele, pede, em simultâneo e à cautela… uma maioria absoluta.

Em coligação à esquerda ou através de maioria absoluta, o novo líder socialista deixa também pairar a ideia de que vem para mudar o que acaba de ser feito. À semelhança, aliás, da promessa feita pela actual maioria quando chegou ao poder.

Esquerda e direita enfermam de um problema comum: falta de vontade e de arte para um entendimento sólido e duradouro, assente numa visão estratégica nacional de longo prazo.

A restauração (possível) da independência começa cá dentro: na construção de uma vontade nacional, baseada numa visão assumida pela maioria da população e das instituições sociais.

A leitura do que mais interessa a Portugal não pode ser rasgada e reescrita em cada quatro anos. A sucessão das legislaturas deve ser um trampolim para o país e não para partidos ou líderes, sejam eles quais forem.