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Graça Franco

Caracóis inteligentes

14 out, 2014 • Graça Franco

Perdidos num labirinto deprimente de más notícias sobre o ensino em Portugal, não saboreamos as boas: nichos de excelência.

Andamos há mais de três semanas a perorar sobre o caos do nosso sistema de ensino. São pais e alunos que desesperam pelo início das aulas, professores de mochila às costas sem saber onde ficarão colocados, directores à beira de um ataque de nervos a braços com a falta ou o excesso de professores colocados nas respectivas escolas, ministros que resistem a custo à demissão. Perdidos neste labirinto deprimente de más notícias não saboreamos as boas. Ora, só no último mês a excelência do nosso ensino foi quatro vezes notícia mundial. Leu bem: mundial.

Varsóvia, 23 de Setembro. O prémio nobel da Paz, Lech Walesa, entrega a meio da tarde, em cerimónia pública, dois dos maiores prémios de Ciência Europeus para jovens cientistas (o Eucys 2014) a três alunos do ensino secundário português.

Entre 77 projectos apresentados por 110 concorrentes vindos de 36 países (Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, China, Nova Zelândia entre outros) candidatos a três galardões que podem equiparar-se a prémios nobéis para cientistas em início de carreira, Portugal conquistou, nada mais, nada menos, do que dois: o de Biologia e o de Matemática.

Começando pela Biologia. O júri constituído por 18 cientistas internacionais distinguiu o projecto “Smart Snails” (caracóis inteligentes) apresentado pela Mariana Garcia e a Matilde Silva, duas alunas do 11º ano da escola secundária de Arouca (uma escola pública de um concelho de apenas 22 mil habitantes no distrito de Aveiro). As duas alunas, de apenas 16 anos, apresentaram um projecto baseado numa espécie de “teste rápido” à qualidade ambiental das águas que utiliza os pequenos seres vivos. Um projecto que estão agora em vias de patentear.

Segundo o relato das próprias, o interesse pela ciência de ambas, já tem quatro anos de trabalho criteriosamente realizado no pequeno laboratório de Ciências, instalado na escola, e gozou do incentivo e orientação do professor Filipe Ressurreição que seguiu “em directo” a cerimónia de entrega de prémios às suas alunas. É caso para dizer que esperamos que o professor tenha sido, entretanto, recolocado na dita.

Passando à Matemática o aluno vencedor foi João Araújo, 17 anos, aluno do 12º ano IB ( International Baccalaureate), do colégio Planalto, um colégio privado da capital. O aluno apresentou a concurso uma demonstração inovadora de álgebra, resultante do desenvolvimento do seu Extended Essay uma espécie de mini-tese que este currículo internacional exige para a conclusão do ensino secundário e que é obrigatoriamente sujeito a classificação internacional.

Ainda da Matemática, uma área onde sempre nos espanta a excelência dos nossos alunos, no dia 29 de Setembro, em San Pedro Sula, agora nas Honduras, foi a vez de dois alunos do ensino secundário Público trazerem para Portugal mais duas medalhas de ouro nas Olimpíadas Ibero-Americanas da modalidade.

David Martins de 17 anos (e que entretanto já iniciou em Oxford o ensino universitário) aluno finalista do 12º ano da escola secundária de Mirandela conseguia, a sua segunda medalha de ouro em Olimpíadas e Francisco Andrade, do 11º ano da secundária do Padrão da Légua de Matosinhos, a primeira de ouro depois de ter conseguido outras três de bronze em competições anteriores.

O mérito é sem dúvida dos próprios alunos. Mas entre público e privado estes casos mostram também que há múltiplos nichos de excelência no ensino nacional. Deprimimo-nos vezes demais a achar que andamos sempre a passo de caracol e esquecemos que nos últimos anos demos passos de gigante no caminho do progresso científico e na melhoria da rede de ensino nacional e não valorizamos os ” caracóis inteligentes” que por aqui também se passeiam.