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À volta do IRS

30 set, 2014 • Graça Franco

Resultado final da reforma do IRS ara cada contribuinte? Imprevisível. Como sempre o diabo “estará nos detalhes” que muitas vezes só não escapam aos olhos dos analistas fiscais.

Em final de legislatura ainda é possível levar a cabo a reforma do IRS ou já se vai tarde demais? A questão faz sentido quando se constata que a verdadeira reforma (com alteração do número de escalões, aumento das taxas, revisão das deduções, criação de sobretaxas etc…) foi feita, sem discussão e discretamente, por Vítor Gaspar, ao abrigo do estado de emergência fiscal e acabou a consagrar o brutal aumento de impostos.

Vale a pena notar que ainda há oito anos o IRS representava apenas cerca de um quinto da receita fiscal e hoje vê a sua quota-parte disparar para mais de um terço, com uma receita prevista, no rectificativo deste ano, de 12,4 mil milhões pouco abaixo da receita prevista para o IVA de 12,9 mil milhões.

Sem que se questionar o papel cada vez mais central do IRS no conjunto da totalidade dos impostos e quando se anunciam outras reformas de vulto como a da “fiscalidade verde”, as propostas sobre a mesa , por mais interessantes que se apresentem ( e há muitas inovadoras…) ameaçam reduzir-se a uma espécie de “complemento de reforma”. O resultado final não dependerá apenas do conjunto de medidas que venham a ser adoptadas pelo Governo , retiradas de uma espécie de “menu “ fornecido pelos autores da proposta de reforma, mas sobretudo da sábia combinação que vier a ser feita entre elas.

Estão sobre a mesa algumas medidas interessantes “pró-família”, como as que acabam com a discriminação negativa das famílias com filhos consagrado no regime actual. Isto apesar de a nível simbólico a tributação separada dos próprios membros do casal, defendida como regra geral na proposta, parecer avançar no sentido exactamente oposto.

Resultado final para cada contribuinte? Imprevisível. Como sempre o diabo “estará nos detalhes” que muitas vezes só não escapam aos olhos dos analistas fiscais. Mas, estes só irão pronunciar-se sobre casos concretos depois de fazerem simulações e depois de conhecido o texto final da proposta do Governo. Esta será mesmo parcialmente contemplada já no próximo orçamento.

Há, no entanto, algumas notas prévias positivas. Desde logo o fim da discriminação negativa de casais com filhos (que Paulo Núncio já garantiu, e bem, que não irá a par de nenhuma penalização acrescida para casais sem filhos como poderia deduzir-se do texto inicial).

No cálculo do rendimento tributável dependentes e ascendentes vão finalmente contar. O quociente familiar subirá ao ritmo de 0,3 pontos cada um. Os avós a cargo (embora apenas se o seu rendimento mensal for inferior a 260 euros) pesarão também. Resumindo: um casal que acolha uma avó e tenha dois filhos passa a poder utilizar um quociente de quase três (2,9). É pouco? Talvez. Fica ainda muito longe de sistemas como o francês? Certo, mas é um começo e um sinal muito importante.

Claro que as famílias, mesmo as mais numerosas, que já estejam isentas pelos seus baixos rendimentos não serão afectadas porque o imposto nunca pode passar a negativo, ou seja, acabar a dar direito a uma espécie de “reembolso” mesmo sem pagamento correspondente. É pena.

E que custos terá a introdução dos novos cocientes? Uma perda de receita considerável mas suportável. Basta pensar que as famílias com três ou mais filhos não chegam a representar actualmente 8 por cento do total (quando nos anos sessenta ainda passavam os 17 por cento) e boa parte delas continuará isenta.

Claro que apesar deste desconto importante mesmo para as famílias que tenham apenas um ou dois filhos, como acontece com a larga maioria, o resultado final é incerto. Tudo vai depender do que se passar com as deduções. Foram as alterações dos últimos anos em matéria de deduções muitas vezes as responsáveis pelos maiores agravamentos de impostos, sobretudo junto da classe média (com mais capacidade para realizar despesas de educação, aceder a saúde privada, apostar em casa própria etc…).

A comissão sugere vários cenários à escolha mas defende, à cabeça, que os montantes sejam fixados de forma igual e sujeitas ao um tecto conjunto.

Famílias com doentes crónicos e muitas despesas de saúde não é certo que saiam beneficiadas. Além disso, mesmo por boas razões de simplificação, o facto de se deixar de levar em linha de conta no cálculo das deduções a dimensão “real” das despesas efectuadas, a situação concreta de cada contribuinte, arrisca-se a poder mesmo ser considerado inconstitucional.

É também interessante que a possibilidade criada em 1999 para que as empresas pudessem comparticipar nas despesas iniciais de educação (creches, jardins de infância etc…), através de complementos salariais não sujeitos a imposto, possa vir a ser agora alargada às despesas de educação de filhos até aos 25 anos. Contudo, estes rendimentos também não contarão depois para cálculo de subsídio de doença, desemprego etc… pelo que a sua utilização aconselha prudência.

Seja qual for a reforma final a anunciar pelo Governo uma coisa é certa: dificilmente Costa lhe dará aval, como fez Seguro com o IRC. Basta pensar que muito do voto contra o Governo Socialista visava fugir à ameaça de “ataque à classe média” em sede de IRS associado ao esquecido PEC IV. O potencial eleitoral do IRS é enorme. Costa sabe-o e não abdicará dele.