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Francisco Sarsfield Cabral

A queda de uma dinastia financeira

07 ago, 2014 • Francisco Sarsfield Cabral

O colapso empresarial da família e do grupo económico Espírito Santo é um acontecimento histórico.

A dinastia familiar que dominava o Grupo Espírito Santo (GES) iniciou-se nos anos 60 do século XIX. Atravessou depois vários regimes – a monarquia, a I República, o Estado Novo, a democracia recuperada com o 25 de Abril de 1974… Mas, em 1975, o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, como se chamava na altura, foi nacionalizado, juntamente com os outros bancos privados (excepto os que eram propriedade de estrangeiros).

Seguiram-se a emigração e uma “travessia no deserto” dos Espírito Santo, que terminariam com o seu regresso ao país em 1986.

Mas durante essa fase difícil, fora do país, a família beneficiou de um capital muito importante: o seu relacionamento próximo com inúmeras personalidades estrangeiras. E não apenas dos meios financeiros, também no campo político e social. Estes contactos que o GES tinha no estrangeiro explicam, aliás, uma parte da grande repercussão no exterior da queda do Banco Espírito Santo (BES).

Quando, de volta a Portugal, o GES decidiu comprar o seu antigo banco, teve que recorrer a parceiros estrangeiros (sobretudo o banco francês Crédit Agricole), até porque, não tendo os “nacionalizados” de 1975 sido indemnizados em montantes mais do que meramente simbólicos, careciam de capital. Um problema, aliás, que dominou boa parte da economia portuguesa ao longo das últimas décadas.

Por outro lado, as empresas familiares não são fáceis de manter e gerir, em particular quendo já vão, como é o caso dos Espírito Santo, na terceira ou quarta geração. São pessoas que já nascem ricas e com elevado estatuto social. Para muitos membros da família, o negócio do grupo é, antes de mais, a certeza de um emprego bem remunerado mas nem sempre muito exigente quanto à qualidade da gestão.

Por isso, a maior parte dos poucos bancos europeus ainda ligados a famílias recorre a gestores profissionais. Algo que só aconteceu no BES, em escala significativa, pouco antes de acabar e por imposição do Banco de Portugal.

Outra faceta do GES ao longo do tempo foi a proximidade com os sucessivos poderes políticos em Portugal.

Ricardo Espírito Santo, porventura o mais brilhante líder da história do GES, visitava regularmente Salazar aos sábados, nos anos 30 e 40. Mais perto de nós, foi pública e notória a articulação de Ricardo Salgado, o último “patriarca” da família, com José Sócrates, quando este era primeiro-ministro.

Já com o actual Governo as coisas correram de outra maneira. Quando a situação financeira de várias empresas do GES se agravou, Ricardo Salgado abordou o actual primeiro-ministro, Passos Coelho, e a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, no sentido de obter um empréstimo da Caixa Geral de Depósitos a juro barato. O pedido foi liminarmente recusado – uma das mais relevantes decisões deste Governo.

Muita gente falou do fim de uma certa promiscuidade entre negócios e política, resultante da queda do GES. Talvez haja aí demasiado optimismo. Mas certamente que, pelo menos com a família Espírito Santo, o Estado português não terá num futuro previsível mais relacionamentos.