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Pedro Leal

O BES e o salário mínimo

04 ago, 2014 • Pedro Leal

Perante a enormidade que é o caso BES, e o seu impacto na economia, a discussão do aumento em 15 euros do SMN parece ridícula e revela quanto tempo o país perde em combates que são mais ideológicos do que reais. Para o cidadão comum tudo isto não faz sentido e é ofensivo.

Parece errado, talvez até um pouco demagógico, mas nem tanto. Misturar a questão do BES com a questão do aumento do salário mínimo nacional (SMN) faz todo o sentido quando a olhamos na perspectiva do cidadão comum. 

Praticamente no último meio ano, todos os meses aconteceram reuniões para se negociar o eventual aumento do SMN. Umas na concertação social, outras directamente entre governo e associações patronais ou sindicais.

A CGTP exige um aumento do SMN de 485 euros para 515 euros; a UGT é mais modesta e pede apenas um aumento de 15 euros, para os 500 euros.

Na verdade, Governo, patrões e sindicatos concordam com o aumento do SMN. Mas, se assim é, porque não aconteceu ainda? Uma palavra parece responder a tudo isto: competitividade.

O argumento é que a economia real não aguenta e a produtividade não o justifica. Daí as associações patronais aceitarem a subida do SMN se, em contrapartida, surgirem medidas que reforcem a competitividade das empresas (leia-se mais flexibilidade). Por seu lado, o Governo aceita o aumento desde que este fique indexado à produtividade.

Mas o que significam 15 euros nos custos salariais das empresas? De acordo com um relatório do Ministério Solidariedade, Emprego e Segurança Social, o impacto pode ir até 0,08%.

E é aqui que regressamos ao BES. Toda esta discussão parece meia louca quando em causa estão, no mínimo, 15 euros por trabalhador a receber SMN e, ao mesmo tempo, o país assiste quase incrédulo ao que aconteceu no BES.

Todos foram apanhados de surpresa. Ainda no dia 21 de Julho, Cavaco Silva citava informações do Banco de Portugal e garantia que os portugueses podiam “confiar no BES dado que as folgas de capital são mais que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa”.

Nesta mesma declaração, Cavaco Silva dizia: “não podemos ignorar que algum efeito pode vir para a economia real, mas eu penso que não terá significado de monta”.

Mas vai ter. O buraco dos prejuízos, 3,6 mil milhões de euros, é escandaloso, e o seu efeito na economia vai ser bem visível. Associado a este buraco vem ainda uma segunda vaga: os pequenos accionistas que vão perder todo o investimento.

E tudo isto a economia vai suportar, a produtividade vai aguentar e soluções vão ser sempre encontradas. Tudo por que se trata da parte financeira da economia. Para este lado há que ter sempre compreensão e encontram-se sempre soluções perante o “perigo sistémico”: BPN, BPP e agora o BES. É certo que no BES há a garantia que o dinheiro dos contribuintes não vai entrar, mas nos outros casos não foi assim.  

Não resisto a um pequeno exercício de demagogia: o prejuízo de 3,6 mil milhões de euros do BES equivale a um aumento de 15 euros a 17 milhões de hipotéticos trabalhadores a receberem o SMN!

É verdade que as contas não podem ser feitas assim, é verdade que não é o BES que decide o aumento do SMN, mas é verdade que a parte não financeira da economia tem muita dificuldade em fazer valer as suas posições e daí o arrastar do problema.

Para quem ganha 485 euros por mês, trabalha oito horas por dia e é um trabalhador dedicado e competente, a esperança é uma palavra difícil de compreender.

Perante a enormidade que é o caso BES, e o seu impacto na economia, a discussão do aumento em 15 euros do SMN parece ridícula e revela quanto tempo o país perde em combates que são mais ideológicos do que reais. Para o cidadão comum tudo isto não faz sentido e é ofensivo. 

Não resisto a citar as palavras deste domingo do Papa Francisco: “Falamos muito dos pobres mas, quando falamos dos pobres, sentimos que aquele homem, aquela mulher, aquela criança, não têm o necessário para viver? Que não têm que comer, nem que vestir, que não têm a possibilidade de ter remédios, nem as crianças têm a possibilidade de ir à escola?"

“Por isto, as nossas necessidades, por mais legítimas que sejam, não são mais importantes que as necessidades dos pobres que não têm o necessário para viver”.

Olhar o outro na sua dignidade não se enquadra nos registos mentais de uma esquerda e de uma direita fora do tempo e da realidade, em que o outro é sempre o ponto de partida para um combate de e sobre o poder, tal como acontece diariamente na nossa discussão política.

[Texto corrigido às 19h39]