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Pedro Leal

Divergência insanável que esconde acordo essencial

18 mar, 2014 • Pedro Leal

O problema é que, depois do encontro de Passos Coelho e Angela Merkel, vamos regressar ao ruído do costume com as mesmas perguntas por responder.

O que sobra entre a retórica do "peito feito" e o centro da reunião entre Passos Coelho e António José Seguro? Um acordo, apesar de divulgado como sendo uma divergência insanável. Mas não o é. O “insanável” é apenas para consumo interno, para alimentar o crescendo dos comícios que se aproximam. O essencial é que António José Seguro repetiu, ontem, antes do beija-mão de Passos Coelho, esta terça-feira, em Berlim, que, caso seja governo, vai cumprir as metas fixadas. O que se poderia esperar mais nas vésperas das eleições europeias e após longos meses em que uns e outros recusaram um entendimento mais profundo sobre o futuro do país?

No final do encontro, o discurso do secretário-geral do PS é um pequeno exercício de retórica, ao fim de quase de três horas de algum simbolismo. Atentemos nas palavras de António José Seguro.

O acordo está aqui: “Não vejo como é que Portugal possa ser prejudicado. Não há nenhum grau de incerteza quanto ao objectivo central: o equilíbrio das contas públicas e uma consolidação saudável das contas públicas. (…) É um consenso político, é um consenso social e que é importante valorizar”.

O desacordo reside aqui: “O modo, o caminho e a estratégia para alcançar o equilíbrio das finanças públicas é o que nos opõe ao Governo”.

A ténue ameaça, que é, ao mesmo tempo, um antever do que aí vem, reside aqui: “o Governo tem a obrigação de criar condições para Portugal regressar aos mercados sem a necessidade de qualquer apoio”, ou seja, depois destas palavras, o PS defende mesmo uma saída à irlandesa.

A encenação necessária foi cumprida. Para o exterior, com o encontro e o discurso de Seguro, o primeiro-ministro recebe o apoio do PS ao essencial do que está escrito no programa de entendimento. Os socialistas sublinham apenas que há um outro caminho para um mesmo objectivo e a Europa e os mercados vão repetir de novo que somos um país exemplo – o bom aluno.

Para consumo interno, o discurso de António José Seguro pretende sublinhar que há uma alternativa ao governo PSD-CDS e essa alternativa chama-se Partido Socialista.

Está assim estabelecido o entendimento entre o PSD e o PS para alemão, mercados e portugueses verem. Tudo o resto é uma prática de como se chega a um determinado objectivo. Tudo o resto é campanha.

Para António José Seguro, tudo isto tem apenas um problema. Como é que é diferente o caminho do PS? Como é diferente a práctica? Em que políticas? Como mantém as metas de défice com uma política diferente? O que vai fazer aos apoios sociais? Ao IRS?...

O problema é que, depois do encontro de Passos Coelho e Angela Merkel, vamos regressar ao ruído do costume com as mesmas perguntas por responder.