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Graça Franco

Far-nos-á falta

13 mar, 2014 • Graça Franco

Era assim. Passava pelas pequenas coisas de olhos postos nas “grandes” que verdadeiramente interessam.

Como todos os homens verdadeiramente excepcionais, não era uma personalidade fácil. Contudo, fez o pleno da admiração junto não só dos cristãos da cidade de Lisboa, aos quais dedicou boa parte da sua vida, como dos católicos portugueses dos mais variados quadrantes. Pela lucidez da sua visão do país e do mundo; e pela frontalidade na defesa dos pontos de vista da Igreja, numa Sociedade que sempre respeitou na sua pluralidade e independência.

A separação Igreja-Estado era-lhe conatural e nele nunca perpassou qualquer nostalgia de confusão. Via-se que amava profundamente essa clara separação e talvez por isso, como ainda hoje recordava o professor Braga da Cruz, acabou por se tornar uma voz tão importante na consolidação da nossa própria Democracia.

Contudo, poucos como ele gostariam mais de ver os leigos crentes com efectiva participação na vida pública e, se tinha uma mágoa confessada, era a de não ter conseguido entusiasmar mais para que abraçassem o que classificava como “ a nobre arte” da intervenção política e cultural, numa sociedade que considerava fortemente empobrecida pela deriva relativista e pelo seu crescente alheamento dos valores e da mensagem cristã. Como nos confessou, na última grande entrevista concedida à Renascença por ocasião do encerramento do ano da fé e, uma vez passada a pasta do Patriarcado ao seu sucessor, era a esse projecto de formação consistente do laicado a que gostaria ainda de dedicar a sua vida, a par do lançamento de uma escola de oração.

Intelectual do seu tempo, soube, sem desnecessárias concessões mediáticas, perceber a importância dos media na sociedade actual e não se furtou a transformá-los com a sua presença assídua, em fóruns privilegiados para o debate com a sociedade e os sectores da cultura. Gostava de uma boa conversa e atraía-o, sobretudo, um debate plural e inteligente.

Não foram apenas os diálogos sobre a Fé que travou nas páginas do “Diário de Notícias” com Eduardo Prado Coelho, mas também os múltiplos desafios aceites para conversas com não crentes como Mário Soares e, na Renascença, as conversas mensais com Jorge Sampaio e Pinto Balsemão no “A três dimensões”, sob a sábia batuta do Francisco Sarsfield Cabral.

Foi exemplar a dedicação que colocou ao serviço da Universidade Católica enquanto seu reitor e a forma como abraçou o enormíssimo risco da aposta na criação de uma televisão privada, no nascimento da TVI. O projecto ficou muito aquém do sonho, mas nem isso alterou em D. José o entusiasmo pela compreensão de um mundo em que os “media” desempenham um papel essencial na divulgação da Mensagem cristã.

No nosso último encontro, despediu-se prometendo pensar num novo programa semanal que o traria de regresso à nossa antena num desafio partilhado com a SIC, colocando apenas uma única condição: “não seria para discutir trivialidades”, mas para ir ao fundo das grandes questões que verdadeiramente interessam aos homens e à Sociedade e sobre as quais a Igreja “tem uma palavra importante a dizer”. Era assim. Passava pelas pequenas coisas de olhos postos nas “grandes” que verdadeiramente interessam. Far-nos-á falta.