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Francisco Sarsfield Cabral

A austeridade continua

15 out, 2013

A austeridade em 2014 poderá pôr em causa o esboço de recuperação da economia portuguesa de que existem alguns indícios.

O Orçamento do Estado (OE) para 2014 mantém a brutal subida de impostos do Orçamento para o corrente ano e faz cortes na despesa pública que não são menores, pelo contrário, do que os cortes em curso em 2013. Feitas as contas reduzimos este ano o défice em menos de um ponto percentual e vamos ter de o reduzir no próximo em mais do dobro. São quase 4 mil milhões de corte, mais 600 milhões do que o previsto.

Portanto, não haverá qualquer alívio na austeridade. O Governo não conseguiu convencer a “troika” a subir o limite do défice orçamental de 2014 para 4,5% do PIB, daí este maior aperto. A “troika” foi inflexível neste ponto porque, tal como os mercados, perdeu parte da confiança que antes tinha na capacidade de Portugal consolidar as contas públicas.

A desconfiança, traduzida na subida dos juros no mercado secundário da dívida para níveis incomportáveis, tem a ver com a crise da coligação governamental em Julho, quando se demitiram o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, e o vice-primeiro ministro Paulo Portas (que depois voltou atrás). Acrescem outros factores de desconfiança, como a possibilidade de o Tribunal Constitucional chumbar - pela 7ª vez - medidas do OE, ou a oposição do PS ao programa da “troika”.

O Governo cometeu o erro, admitido por Vítor Gaspar, de não lançar a reforma do Estado no início da legislatura. Agora, é obrigado a cortar onde julga ser mais fácil (salários dos funcionários e pensões dos reformados), o que não garante racionalidade nem justiça. E é muito duvidoso que a baixa em dois pontos percentuais no IRC se traduza em mais investimento pelo menos em 2014. Quanto ao desemprego é o próprio Governo a estimar um novo agravamento.

Os cortes progressivos nos salários da função pública, para além de arriscarem a ser considerados inconstitucionais, tentam evitar a fuga dos mais qualificados da administração do Estado mas o reverso da medalha está no sacrifício daqueles que apenas ganham seiscentos euros (um valor tão baixo que parece visar o incentivo às rescisões dos menos qualificados na linha das sugestões feitas em Janeiro pelo FMI).
 
A austeridade em 2014 poderá, até, pôr em causa o esboço de recuperação da economia portuguesa de que existem alguns indícios. A queda do PIB em 2013 será menor do que a prevista inicialmente e a economia europeia dá alguns sinais de retoma, o que ajudará as exportações portuguesas. Mas a previsão de um crescimento do PIB de 0,8% em 2014, se bem que modesta, poderá não ser atingida. 

Resta uma consolação: falhadas as expectativas de crescimento não deixará certamente a “troika” de se ver forçada a flexibilizar de novo a meta para o défice.