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O 25 de Abril dos milionários

23 abr, 2014 • Sandra Afonso

Revolução dos cravos não varreu apenas a ditadura, a censura e a repressão da PIDE. Apoderou-se também do poder e do dinheiro dos milionários da altura.

O 25 de Abril dos milionários

O 25 de Abril na perspectiva dos grandes homens de negócios e banqueiros da altura. As contas congeladas, as detenções, os dias na prisão, a fuga para o exílio, são histórias reunidas por Pedro Jorge Castro, no livro "O Ataque aos Milionários".
 
Quarenta anos depois, ainda há quem guarde em silêncio os primeiros anos da revolução. O livro revela testemunhos dos protagonistas ou de pessoas próximas, mas não foram fáceis de recolher. O autor admite que encontrou muitas portas fechadas: “São famílias que têm por hábito manter alguma discrição, algumas disseram que não queriam falar porque são momentos dolorosos. Isto aconteceu, curiosamente, também com sindicalistas, que não estiveram disponíveis para lembrar actos que hoje podem ser vistos como radicais”.
 
O livro baseia-se em 47 entrevistas e vários documentos, alguns inéditos, recolhidos nos arquivos militares, do Conselho da Revolução e até do Ministério das Finanças, entre outros. A investigação permite revelar como alguns dos milionários do país acabaram detidos depois do 25 de Abril, entre eles, o presidente da CUF, Jorge de Mello, denunciado pela empregada de uma das famílias que visitava com regularidade e em cuja casa se discutia à mesa um “golpe de Estado”.
 
O tenente que prende os banqueiros
Entre as personagens principais do livro, não estão apenas as famílias. A prosa começa e acaba com uma figura incontornável nesta história: o tenente Rosário Dias, assessor económico do primeiro-ministro Vasco Gonçalves.

Rosário Dias foi para a rua “comandar e executar a prisão dos banqueiros”. É o responsável pela detenção de Jorge de Brito, presidente do Banco Intercontinental Português e, mais tarde, presidente do Benfica, de Jorge de Mello e dos administradores do Banco Espírito Santo e do Banco Pinto e Sotto Mayor. Na madrugada do dia 25 de Abril, ouviram-no dizer: “Vamos caçar PIDES!”

Pedro Jorge Castro descreve-o como “uma personagem fascinante", vista "pelos empresários e descendentes como radical e maluco e pelo governo como generoso". Todavia, "todos admitem que é exaltado”.
 
Champalimaud, o “magnata extravagante”
António Champalimaud deverá ter sido dos poucos milionários do país a sorrir no 25 de Abril. “Era, provavelmente, aquele que teria a pior relação com o governo de Marcelo Caetano, porque tinha-o impedido de fazer um grande negócio, a compra do Banco Português do Atlântico”, recorda Pedro Jorge Castro.

Por outro lado, Champalimaud tinha “óptimas relações com Spínola, que tinha sido administrador da Siderurgia Nacional, uma das empresas dele”.

Esta satisfação com a mudança de regime faz com que Champalimaud se assuma como “porta-voz dos empresários nas reuniões com a Junta de Salvação Nacional e, depois, quase se transforma num conselheiro particular de Spínola, dada a frequência com que é chamado". Champalimaud "reúne ainda os empresários mais ricos do país no chamado Movimento Dinamizador da Empresa e Sociedade”.
 
Com o 28 de Setembro, tudo muda para António Champalimaud. Spínola é afastado e chega Costa Gomes à Presidência da República. “As coisas começam a radicalizar-se”, dizo autor.

Champalimaud faz mais uma vez as malas para sair do país e é já em Paris que é avisado pelo filho Luís que o Banco Pinto e Sotto Mayor fora nacionalizado. O banco era “uma das principais jóias do império familiar”.

“António Champalimaud tem uma reacção rapidíssima. Na manhã seguinte, apanha o primeiro comboio para a Suíça, levanta todo o dinheiro que tem no Banco Pinto e Sotto Mayor, atravessa a rua e deposita tudo noutro banco”. É uma descrição do próprio filho, explica Pedro Jorge Castro, para quem esta é uma das principais revelações do seu livro.
 
O papel dos trabalhadores
Os trabalhadores estão entre os principais adversários dos grandes empresários, no pós 25 de Abril. Exemplo disso estão os episódios ocorridos no Banco Espírito Santo, onde, a 10 de Maio, uma reunião junta à mesma mesa os delegados sindicais e os administradores do banco, para aprovar um aumento de dois mil escudos para todos os trabalhadores, independentemente do que ganhassem (o primeiro salário mínimo nacional fixado dias depois foi de 3.300 escudos).
 
No espaço de meses, muitos homens de poder e fortuna perderam tudo. Primeiro, ficaram sem o controlo das empresas, pressionados pelas greves dos trabalhadores. Depois, as nacionalizações levaram o resto.

Pedro Jorge Castro admite que ficou surpreendido com o extremo a que chegaram muitas situações. Dá como exemplo uma carta enviada pelos irmãos Mello ao Presidente da República, em Junho de 1975, “quase a implorar que não prosseguisse o saneamento de quatro altos quadros do grupo CUF, sob pressão dos trabalhadores”. Para Pedro Jorge Castro, “a carta é a admissão da total vulnerabilidade em que se encontravam neste momento, a admissão que não têm qualquer poder para evitar o despedimento”.
 
O outro lado da revolução, o 25 de Abril das famílias mais ricas do país, histórias reunidas no livro “O Ataque aos Milionários”, que chegou agora às livrarias.