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A diferença que faz mais 15 euros no salário mínimo

11 abr, 2014 • Joana Costa

O Governo admite aumentar o salário mínimo para os 500 euros. Maria, Patrícia e Carla continuariam a fazer contas à vida, mas ficariam satisfeitas.

A diferença que faz mais 15 euros no salário mínimo
São mães. Trabalham. Muito. Mas têm outro denominador comum: ganham o salário mínimo nacional. Ou menos. Numa altura em que o Governo volta a colocar na ordem do dia o possível aumento do salário mínimo para os 500 euros, a Renascença foi conhecer as histórias de Maria, Patrícia e Carla.


''Mais 15 euros já dão para a água''


São 482 euros a dividir por dois. É esta, todos os meses, a conta da vida de Maria de Fátima Correia.

Natural de Resende, 45 anos, vive há 10 no Porto, onde é empregada de balcão num café. Mãe solteira tem uma filha de 16 anos a cargo. As incansáveis e longas 11 horas de trabalho diário dão-lhe um ordenado base ligeiramente abaixo do salário mínimo.

“Com esse dinheiro pago 283 euros de renda, 48,50 de luz, mais 13 ou 14 euros de água, internet, compras de supermercado. Tento comprar tudo linhas brancas, não me posso dar ao luxo de comprar comidas e roupas de marca. Compro roupa nas feiras, nos chineses, e tenho pessoas amigas que também nos vão dando roupas”, diz.

Há muito que Maria não sabe o que é jantar ou almoçar fora. “Faço isso só duas vezes por ano, no aniversário da minha filha e no meu. É uma espécie de miminho”, confessa à Renascença. E as refeições caseiras não incluem “menus caros, como vitela ou salmão”.

Outra maneira de “equilibrar” as contas é “evitar transportes”. “Tentei sempre procurar casa e escola para a minha filha perto do trabalho. É assim que consigo ir vivendo e no fim do mês, se me sobrar umas moedas, dou graças a Deus”, desabafa.


A ajuda, a baixa e a sombra do desemprego
Apesar do rigor quase milimétrico no controlo das contas mensais, Maria de Fátima recebe um apoio para o sufoco ser menor. À Cáritas do Porto vai buscar, mensalmente, um cabaz com alimentos básicos. Foi também a esta IPSS que, há pouco tempo, pediu, pela primeira vez, ajuda para pagar a renda. Ainda espera resposta.

“Fui operada e estive de baixa dois meses. Se o ordenado assim já não dá, imagine com 50 ou 60%”, explica.

É também, por isso, que defende o aumento do salário mínimo nacional para os 500 euros.

“Pode não fazer muita diferença, mas já é uma ajuda. Mais 15 euros já dão para a água e o dinheiro que dava antes para a água já vai dar para fazer mais compras no fim do mês. É muito pouco, mas é melhor que nada”, refere.

Enquanto esse valor não chega, Maria procura empregos com salário mais alto. Mas a quarta classe já não chega sequer para encontrar outra opção na sua área de trabalho, a restauração. A sombra e o medo do desemprego ganham ainda mais força na sua vida.

“Se ficar desempregada tenho de abandonar tudo, ir para alguém da minha família, porque aí não consigo mesmo. O fundo de desemprego dura algum tempo. Mas depois começa a diminuir. Se eu com o dinheiro da baixa não estou a conseguir viver, porque tive de pedir ajuda, se for para o fundo do desemprego também não consigo”, diz.

Há dez anos recomeçou a vida do zero, deixando Resende rumo ao Porto. Mas nessa época vivia melhor. “O meu ordenado era o mesmo de agora, mas as coisas não eram tão caras. Tudo aumentou e os ordenados continuam iguais. Sobrevive-se. Vivemos um dia de cada vez à espera do que vem a seguir”.



Sobrevive-se a viver em casa dos pais


“Este casaco foram os meus pais que me deram nos meus anos. Vão dando muita coisa. O meu pai, graças a Deus, mantém um bom emprego e os meus avós sempre ajudaram. Sobrevive-se com a ajuda e a viver em casa dos pais”.

Aos 28 anos e com um filho de dois, Patrícia Rebelo viu-se obrigada a regressar a casa dos pais, juntamente com o companheiro, mesmo tendo comprado um apartamento em 2006. Agora ganha o salário mínimo.

“No trabalho anterior também ganhava o ordenado mínimo, mas ganhava subsídio de alimentação que dava uma média de 600 euros a nível de recibo. E recebia comissões, porque era num cabeleireiro da alta sociedade. No total, recebia entre 900 a 1200 euros por mês”, conta para explicar a aquisição do imóvel que hoje está fechado, apesar das despesas contínuas.

Com os 467 euros que agora caem mensalmente na sua conta, Patrícia paga a prestação da casa (onde não vive), água e luz da mesma, o infantário do filho e o gasóleo que a permite ir de Fânzeres, Gondomar, onde vive, até Vila Nova de Gaia, onde ainda trabalha como cabeleireira.

É assim há um ano. Sobram 50 euros. “Por isso, o aumento do salário mínimo de que agora falam faz diferença. Quinze euros quando só sobram 50 no fim do mês fazem a diferença”.

Onze horas a trabalhar
“Esta semana apareceu-me um trabalho novo. Liguei, fui à entrevista. Para a semana vou uma tarde à experiência. Se correr bem vou receber 550 euros limpos. Vale a pena, porque é muito mais perto de casa e gasto muito menos em transportes”, confessa, sem esconder a ansiedade.

Trabalhadora com contrato a termo certo, renovável a cada seis meses, diz ter sido obrigada a aceitar o emprego actual. Recebeu subsídio de desemprego durante nove meses.

“Desde que estou empregada que, todos os dias, procuro um novo emprego, um onde não seja explorada. Na nossa área há muita exploração, sobretudo a nível de horas. Trabalho 11 horas por dia. Das oito e meia da manhã às sete e meia da tarde, com uma hora de almoço”, refere.

Apesar do actual cenário, Patrícia tem a esperança da juventude na voz. “Sou positiva perante a vida. Acho que isto vai melhorar e que vou conseguir uma coisa melhor”.



''Nem que fossem só 50 cêntimos a mais''


Viver com o salário mínimo é uma luta. Mas há quem viva com menos.

Se ganhasse o dobro, Carla Silva, 42 anos, empregada de limpeza, ganharia pouco mais do que o ordenado mínimo. As quatro horas e meia de trabalho diárias, repartidas por “dois horários ingratos” no início da manhã e no final do dia, pagam-lhe 266 euros por mês.

“Pouco sobra para a gente comer ou para suportar qualquer tipo de despesas”, deixa escapar mal recebe a Renascença em sua casa. A mesma que lhe tira 250 euros todos os meses, a maior fatia do magro orçamento familiar.

“A primeira coisa é pagar a renda. Não posso ficar sem casa, porque tenho uma filha”.

Sem janelas nos quartos e virada para as traseiras de uma rua central do Porto, é mais barata do que a anterior. Na rua paralela pagava 310 euros até Agosto passado. Na altura, estava longe de imaginar o que lhe iria acontecer.

“Usufruía do Rendimento Social de Inserção. Como trabalho, recebia só uma parte no valor de 122 euros. Mas, no ano passado, apareceram uns serviços extra. Fiz a prova anual de rendimentos em Dezembro na Segurança Social e em Janeiro recebi uma carta a dizer que me retiravam esse dinheiro por ter feito umas horas a mais”, conta, com lágrimas nos olhos.

Luta constante
Com uma filha de nove anos e um marido desempregado há mais de três anos a cargo, conta até Maio com mais 140 euros mensais – o valor da formação de Fernando, o marido, no centro de emprego.

“É uma luta constante. Este ano foi mesmo uma desgraça total, logo no início com a perda do RSI. Perdi também o sector onde fazia duas horas a mais. Depois veio a grande conta da luz. Foi tudo um caos. Bati no poço e tive de pedir ajuda”, desabafa.

A Cáritas Diocesana do Porto, para além de um cabaz mensal de alimentos, que “por vezes inclui iogurtes para a menina”, paga também a medicação do marido, que sofre de depressão.

A saúde é, aliás, uma das maiores preocupações de Carla, na hora de fazer contas. “Se a minha filha fica doente, eu não tenho dinheiro para uma receita”.

Órfã desde os 18 anos, encontra na sogra o único e parco apoio familiar. Talvez por isso não esqueça a sua grande prioridade na hora dos desejos para o futuro.

“Nem que fossem só mais 50 cêntimos. Cinco euros a mais por mês. Hoje em dia fazem muita falta. Dariam para o leite, para que nada falte à minha filha. Pelo menos, para ela. Tentamos sempre que o sofrimento dela seja mínimo”.