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Fora da Caixa

Santana propõe envio de capacetes azuis para portos de origem de migrantes

24 abr, 2015 • José Pedro Frazão

O antigo primeiro-ministro teme que a Europa sozinha não seja politicamente capaz de lidar com a crise no Mediterrâneo. António Vitorino relembra a sua velha proposta de instalar campos de refugiados para triagem dos pedidos de asilo.

Santana propõe envio de capacetes azuis para portos de origem de migrantes
O antigo primeiro-ministro teme que a Europa sozinha não seja politicamente capaz de lidar com a crise no Mediterrâneo. António Vitorino relembra a sua velha proposta de instalar campos de refugiados para triagem dos pedidos de asilo.
Pedro Santana Lopes quer a "ONU política" na solução da crise no Mediterrâneo. O antigo chefe de Governo argumenta que estamos em presença de um "problema humanitário global que se insere numa escala maior".

No programa Fora da Caixa, que vai para o ar às 23h00 de sexta-feira na Renascença, Santana sugere uma "concertação" entre uma "resolução de proximidade" e a "presença de um dispositivo militar internacional, do tipo 'capacetes azuis', nomeadamente nas zonas fronteiriças, nos portos detectados".

O antigo primeiro-ministro argumenta que a questão não é meramente da esfera europeia, já que "as Primaveras no norte de África ou os Outonos e Invernos que foram despertados, não têm culpas europeias exclusivas e principais. Há problemas de desenvolvimento, organização e assistência que exigem uma intervenção maior da tal 'desaparecida' ONU. A ONU política, não a ONU dos refugiados, do ACNUR".

Vitorino reapresenta o seu plano
O antigo líder do PSD lança a sugestão em comentário a uma proposta recolocada no debate por António Vitorino, que recorda que, enquanto comissário europeu, propôs um plano de "protecção na região" para estas crises.

O plano passava pela instalação de campos de refugiados tão perto quanto possível das zonas de origem. Vitorino recorda duas condições essenciais: "desde que houvesse um mínimo de garantias de acolhimento e de que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados estivesse presente para permitir uma primeira triagem de pessoas, entre aquelas que têm direito a receber asilo e aquelas que são apenas 'emigrantes económicos".

A ideia original de Vitorino tinha um princípio. "Nós, europeus, temos que nos mobilizar para garantir a protecção das pessoas que dela necessitam no plano internacional, tão perto quanto possível dos pontos de origem de onde elas provêm. Fui muito criticado na altura por organizações não-governamentais que me acusaram de estar a promover o 'outsourcing' da defesa das nossas próprias fronteiras", observa o antigo comissário, que ressalva que obteve o apoio do então alto comissário da ONU para os Refugiados Ruud Lubbers.

Seria possível adoptar agora esse plano? "Não estou a dizer que seja fácil. Reconheço que agora é mais difícil. Os governos dos países de origem estão em situação de quase dissolução. É impensável montar agora campos de refugiados na Líbia. Contudo, na altura, fazia sentido para mim pouparmos aos refugiados um percurso de milhares de quilómetros através do deserto e depois o risco de atravessar o Mediterrâneo muitas vezes nas mãos de passadores e traficantes. Era preferível que fizéssemos esse esforço de apoio a esses fluxos a montante".

Vários estados-membros lembraram a António Vitorino que o seu plano era dispendioso. "Não vou negar isso. Isso custa muito dinheiro. Agora se queremos evitar estes dramas humanitários temos que ser imaginativos e criativos. Com o apoio das agências especializadas das Nações Unidas, creio que uma medida deste género teria viabilidade", insiste o antigo comissário, que reconhece que a opção a fazer é sempre "dolorosa".

Santana Lopes considera que a proposta, "embora já tenha anos, era e é imaginativa. Não penso que essa resolução por proximidade seja descabida mesmo no momento actual".

"Estamos a meio do problema"
Em cima da mesa está agora o reforço das operações de salvamento europeias no Mediterrâneo. Os comentadores registaram as suas opiniões minutos antes de serem conhecidas essas conclusões do Conselho Europeu Extraordinário, esta quinta-feira, em Bruxelas.

Para Santana, as decisões europeias devem ser entendidas "à luz da necessidade de um concerto maior entre nações do primeiro mundo e organizações internacionais, que enfrentem este problema. Com a dimensão que este problema está a atingir, acho muito perigosa uma resposta só da União Europeia", por via de presença marítima acrescida no Mediterrâneo.

O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa diz que "estamos a meio do problema, entre o princípio e o meio". Uma resposta a um problema desta magnitude pode ser muito complicada para a União, argumenta Santana. "Numa Europa fragilizada politicamente, cheia de responsabilidades em vários pontos do mundo em processos que não têm corrido bem, é temerário este foco absolutamente concentrado sobre os órgãos decisórios da União".

O social-democrata não esconde os seus receios. Para a União Europeia, "despida ainda de uma força militar única, com uma política externa não totalmente assumida e eficaz, resolver isto sozinha pode ser 'muita areia para a camioneta' da UE. Ou impossível, politicamente".

Vitorino contra operação militar na Líbia
Já António Vitorino mostra-se céptico em relação a "esta metodologia de que, cada vez que há uma desgraça, faz-se uma reunião para criar a imagem de que se resolve o problema. Não se resolve com uma reunião. É um problema fundo, persistente. Em certa medida, é o preço a pagar por erros cometidos no passado pela própria União Europeia".

O antigo comissário europeu descarta uma solução militar europeia, em especial na Líbia. "A União Europeia não tem capacidade operacional para isso. A Líbia ainda é formalmente um estado independente, ainda por cima com dois governos. É um estado parcialmente ocupado por uma força terrorista, o Estado Islâmico. Qualquer ocupação significaria 'botas no terreno' contra o Estado Islâmico. Depois a questão é também esta: não há união na União Europeia. Não há unidade na União Europeia para tratar deste assunto", remata o antigo comissário.

Para Vitorino, a hipotética criação de corredores humanitários, "que exigiria obviamente a presença de forças militares que garantissem a canalização das pessoas das zonas de origem através de portos seguros que depois podiam garantir a chegada a Europa", sairia ainda mais cara que a sua proposta de há mais de dez anos.