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Fora da Caixa

Santana Lopes: tragédias no Mediterrâneo são “o grande desafio humanitário da UE”

18 abr, 2015 • José Pedro Frazão

Numa altura em que Bruxelas está a rever a Política Europeia de Vizinhança, ganha urgência uma acção decisiva nas fronteiras a sul, no Mediterrâneo. Santana Lopes e António Vitorino pedem uma atenção renovada da Europa para uma faixa de países mergulhados em profunda instabilidade.

Santana Lopes: tragédias no Mediterrâneo são “o grande desafio humanitário da UE”
Numa altura em que Bruxelas está a rever a Politica Europeia de Vizinhança, ganha urgência uma acção decisiva nas fronteiras a sul, no Mediterrâneo. Santana Lopes e António Vitorino pedem uma atenção renovada da Europa para uma faixa de países mergulhados em profunda instabilidade.

Mais 400 mortos esta semana, 900 desde o início do ano. A tragédia das travessias do Mediterrâneo por imigrantes que procuram chegar à Europa parece não acabar, com 2015 a caminho de números tão ou mais trágicos que os de 2014.

“É o grande desafio humanitário da União Europeia, para este tempo e para os próximos tempos”, defende Pedro Santana Lopes no programa “Fora da Caixa”.

“Politicamente isso tem que ser assumido aos mais variados níveis, nomeadamente nos dispositivos que temos nas águas que ligam os países de origem e os da União Europeia onde eles acostam. É o grande desafio em sede de direitos fundamentais da União Europeia: respeitar, proteger as pessoas envolvidas nestes processos, salvar as suas vidas e tentar resolver o mais possível, através da cooperação, o problema a montante. Sabendo que é um problema profundíssimo”, acrescenta o antigo primeiro-ministro.

Tal como em programas anteriores, António Vitorino insiste na culpa dos europeus. “ A missão italiana que actuou no Mediterrâneo durante dois anos tinha uma dimensão humanitária que não está na missão FRONTEX, que a substituiu. As suas regras de empenhamento não prevêem que caiba aos navios de patrulha e controlo das águas territoriais europeias a obrigação de salvar as pessoas que se estão a afogar. Isto é inadmissível. É a negação dos nossos valores”, diz, indignado, o antigo comissário europeu.

As tragédias dos vizinhos
Entre todos os países da orla mediterrânica, é difícil escolher o país vizinho mais instável para cooperação europeia. “Diria que a necessidade de dar prioridade à Líbia é evidente. A possibilidade de ter resultados com essa prioridade é muito baixa. Está transformada num estado feudal, dividida entre senhores da guerra, com dois governos e dois parlamentos, sem autoridade central e capacidade de contratualização”, sustenta o antigo ministro da Defesa.

Já Pedro Santana Lopes “simpatiza” com uma aproximação que considera “fundamental “para tratar destes “movimentos migratórios complicadíssimos”.

Como exemplo, Santana elenca áreas estratégicas como a questão energética e o desenvolvimento económico, para a “solidificação da ‘primavera’ nestes diversos países, sem corrermos o risco de tombarmos para ‘verões quentes’ como tem acontecido de quando em vez”.

O antigo chefe de Governo diz que “aquilo que parece óbvio, uma política comum a vários níveis incluindo o desenvolvimento económico, com os países da orla sul do Mediterrâneo, nunca mais se efectiva. De vez em quando temos estas grandes iniciativas. Lembro da União para o Mediterrâneo com o protagonismo que o Presidente Sarkozy quis assumir. Depois, de facto, emperra. Até do ponto de vista energético, esta aproximação politica, esta consciência destes laços é fulcral para o nosso futuro”.

O problema está na desconfiança em relação aos europeus, observa António Vitorino. “Visitei esses países a seguir à Primavera Árabe. Em muitos deles, os sectores democráticos que podiam beneficiar com a Primavera Árabe acusavam a União Europeia de ter sido conivente com os regimes ditatoriais que existiam antes. Há um segundo factor de desconfiança. Continuam a considerar que temos uma política discriminatória de imigração, muito negativa, em relação a pessoas oriundas desses países”.

O antigo comissário europeu admite ainda que talvez os europeus não tenham estado à altura de acorrer aos países em transição pós-autoritária nessa zona para estabilizar as suas economias. “Quando o regime tunisino caiu, o desemprego aumentou para 40%. Não é um bom cartão-de-visita para a democracia. Mesmo assim, a Europa não esteve presente para garantir o financiamento necessário para minorar os custos dessa transição”, exemplifica Vitorino.

Terrorismo sem tribunais especiais
Na cimeira euromediterrânica desta semana em Barcelona, Espanha levantou a ideia de um tribunal especial para crimes de terrorismo. Uma proposta que não colhe entusiamo nos comentadores do “Fora da Caixa”.

“Espanha tem aqui uma sensibilidade especial, por razões várias, que tem que ser compreendida. Da minha parte, não vou dizer que simpatizo com a ideia porque não é um facto”, assume Pedro Santana Lopes.

Já António Vitorino diz que a “ proliferação de tribunais internacionais para crimes específicos não é exactamente o que fará a diferença na luta contra o Estudo Islâmico. A ideia espanhola é isso, uma ideia e um rótulo lançado para o ar. Não tem ainda a consistência suficiente para nos pronunciarmos sobre a substância”.

O antigo comissário europeu sugere em alternativa mais cooperação entre os países empenhados na luta anti-terrorista. “O que é preciso é que os países que têm legislação antiterrorista garantam a sua aplicação efectiva e que cooperem entre si para garantirem que aquele que tem competência para julgar os terroristas tem todos os instrumentos necessários para o fazer. Isso nem sempre acontece. Muitas vezes alguns países recusam-se a cooperar com outros, por exemplo, com os meios de prova necessários para condenar os terroristas”, conclui o antigo ministro da Defesa.

O programa Fora da Caixa é uma parceria Renascença/Euranet, para ouvir às sextas-feiras, depois das 23h00.