Tempo
|

José Luís Ramos Pinheiro

Acredita no que disse?

27 fev, 2015 • José Luís Ramos Pinheiro

Se António Costa acredita no que disse, deve reafirmar e enquadrar o seu pensamento com clareza e coragem, sem prejuízo de outras críticas que possa e deva fazer ao Governo. Se não acredita no que disse sobre a evolução favorável de Portugal nos últimos quatro anos, então deveria explicar por que razão afirmou aquilo que realmente não pensa.

Social e economicamente Portugal está longe do que todos gostaríamos. Mas face à situação de pré-bancarrota de 2011, a situação melhorou. Há quatro anos atrás o descalabro financeiro tornou a austeridade inevitável. Num país que quase não encontrava financiamento para pagar salários do Estado não seria à custa do (inexistente) dinheiro público que a recuperação se processaria. De resto, tenho a certeza de que nenhum governo – o anterior, o actual ou o próximo - lançaria o país na austeridade por uma deliberada intenção de promover a pobreza e a degradação das condições de vida das pessoas.

Aliás, para além de Portugal, também a Irlanda e mesmo a Grécia apresentam sinais evidentes de melhoria. Ainda assim, com o acordo agora obtido junto dos seus parceiros europeus, também o Syriza veio reconhecer, na prática, que a austeridade vai continuar: não por gosto, mas por necessidade.
Mas se houve algum progresso, tal não invalida uma forte preocupação com a pobreza e o desemprego, de resto ainda mais graves na Grécia do que entre nós. E para atender aos mais pobres (tenham a nacionalidade que tiverem) são necessários outros desígnios, outras políticas e outros apoios.

Uma leitura responsável da realidade deveria permitir (a palavra obrigar, talvez seja a mais correcta) que os dirigentes políticos - estando no governo ou pertencendo à oposição - reconhecessem, mesmo em ano de eleições, o que melhorou e aquilo que ainda vai muito mal.

Aliás, a recente polémica sobre as declarações de António Costa deriva do facto de em geral não estarmos habituados a ver um dirigente da oposição adoptar um discurso razoável sobre o estado do país. A simplificação do discurso político que só permite dizer muito bem ou muito mal, deixa na sombra outras avaliações, porventura verdadeiras, sobre a realidade. Discutir política, como se um jogo de futebol se tratasse, descredibiliza a política, debilita os políticos e menoriza-nos a todos.

Por isso, ao ouvir António Costa elogiar a evolução de Portugal, dizendo que o país está agora bastante diferente do que há quatro anos atrás, fiquei satisfeito. A prevalência de Portugal sobre interesses meramente partidários é um aspecto que me sensibiliza. Mais à direita ou mais à esquerda, gosto de ver responsáveis políticos porem o país à frente de desígnios pessoais ou partidários.

Mas depois das críticas que recebeu no interior do PS veio a justificação de António Costa; e aqui retrocedi no entusiasmo. Por aquilo que ouvi, o secretário-geral do PS como que camuflou as suas verdadeiras opiniões sobre o estado do país, invocando o facto de estar a falar perante investidores estrangeiros.

Ora, sabendo-se que os empresários chineses que nos visitam e investem demonstram grande sabedoria nas operações realizadas, devo presumir que são bem informados; e não hão-de ignorar as opiniões habituais do candidato do PS a primeiro-ministro. Concluirão agora que foram privilegiados conhecendo, em primeira mão, o verdadeiro diagnóstico que o candidato a primeiro-ministro habitualmente esconde ao país? Ou que se tratou apenas de uma pequena manobra de marketing para consumo externo?

É verdade que ainda há dias, numa apressada jogada de marketing barato, ouvimos Jean-Claude Juncker afirmar que a troika pecou contra a dignidade de irlandeses, portugueses e gregos; como se o mesmo Juncker não tivesse sido, à altura, presidente do Eurogrupo. Mas estes truques de salão não ajudam a credibilizar políticos nem políticas.

Se António Costa acredita no que disse perante investidores chineses, deve reafirmar e enquadrar o seu pensamento com clareza e coragem perante o país, sem prejuízo de outras críticas que possa e deva fazer ao Governo. Se António Costa não acredita no que disse sobre a evolução favorável de Portugal nos últimos quatro anos, então deveria explicar por que razão afirmou aquilo que realmente não pensa.