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José Luís Ramos Pinheiro

Nada menos que a verdade

26 nov, 2014

Os cidadãos precisam de conhecer a verdade, estimulando as instituições a funcionarem e a recuperarem, sem falsos moralismos nem demagogia fácil, valores essenciais para a vida, pública e privada.

Em rigor, neste momento ninguém pode dizer se José Sócrates é inocente ou culpado. E o mesmo se aplica a outros casos recentes, cujos indícios criminais terão que ser devidamente apurados.

De igual modo, não sei avaliar as razões que levaram às circunstâncias concretas da detenção do ex-primeiro-ministro no aeroporto: censuráveis, se o objectivo era o espectáculo mediático; louváveis, se afinal pretendiam prevenir danos para a investigação.

Também não pretendo ver ninguém antecipadamente no banco dos réus; muito menos a justiça, cujo funcionamento não pode olhar a nomes, cargos ou partidos; nem pode haver uma justiça mais branda para políticos (como já vi insinuar) do que para o vulgar cidadão que incumpre com as suas obrigações.

De resto, o que mais me incomoda é ver agora um antigo primeiro-ministro português reduzido a esta dimensão. Não importa, para este efeito, o partido a que pertence. Interessa que é um ex-primeiro-ministro português, no qual muitos portugueses confiaram, pelo menos em dois actos eleitorais.

Claro que política e justiça devem ser separadas. Mas o que mais pode preocupar o país é que - se viessem a confirmar-se os dados até agora revelados - os crimes em causa não se teriam processado (o que sempre seria grave) na esfera individual de José Sócrates, mas sim durante o exercício das suas funções, enquanto chefe do governo de Portugal.

Tal significaria que algo andou mal no funcionamento do sistema democrático, tendo tais comportamentos, alegadamente criminosos, escapado ao escrutínio de amigos e de adversários políticos.

Por isso, os cidadãos precisam de conhecer a verdade, estimulando as instituições a funcionarem e a recuperarem, sem falsos moralismos nem demagogia fácil, valores essenciais para a vida, pública e privada - porque uma decorre da outra.

O pior que poderia suceder seria continuar a falar-se de corrupção à mesa do almoço e em conversas “confidenciais” e nunca ver tais situações esclarecidas, não se percebendo a fronteira entre má-língua e criminalidade.

Prefiro a verdade. Seja ela qual for.