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opinião

​Mais Comissão Europeia

30 jan, 2023 - 06:03

João Confraria, professor da Católica Lisbon School of Business & Economics, nota que "sem surpresa, a Comissão aumentou os seus poderes na área de regulação da concorrência".

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Em 2022 cresceram o poder de regulação e a capacidade de intervenção política da Comissão Europeia. É previsível que assim continue em 2023 como resposta adequada a problemas de política económica e de regulação do Mercado Único, mas sempre ficam algumas questões em aberto.

Sem surpresa, a Comissão aumentou os seus poderes na área de regulação da concorrência. Já os tinha, na política de concorrência propriamente dita. Já tinha também uma grande influência em áreas sob regulação setorial nacional. No ano passado, com o Digital Markets Act, a Comissão passou a regular diretamente a concorrência nos mercados digitais, ultrapassando os procedimentos exigíveis no âmbito da política de concorrência e, com o Digital Services Act, foram esclarecidos vários aspetos que a anterior Diretiva do Comércio Eletrónico deixava em aberto. Foram opções razoáveis, para o funcionamento do Mercado Único, face aos riscos associados à aplicação da política de concorrência em mercados digitais e à falta de operacionalidade do quadro regulamentar do comércio eletrónico. Aliás, nem seria uma enorme surpresa se houvesse uma iniciativa análoga, com as devidas adaptações, em matéria de proteção de dados, tendo em conta as limitações que a fiscalização do atual quadro regulamentar tem tido em vários países. Vamos então ver como se sai a Comissão nestas funções de regulação setorial e como se vão adaptar as instituições nacionais.

Numa vertente mais política, o Parlamento Europeu foi ultrapassado pela Comissão e pelo Conselho, para se estabelecer rapidamente uma “contribuição” adicional e solidária sobre os lucros extraordinários no setor energético. A decisão foi tomada ao abrigo do artigo 122 do Tratado de Lisboa, de novo utilizado em processo que desvaloriza o Parlamento e reforça o papel da Comissão face ao Conselho. A Exxon recorreu desta decisão. O recurso não tem efeito suspensivo e o resultado deve demorar anos. Mas o caso é interessante independentemente da decisão judicial, porque uma das formas de se entender o papel da Comissão Europeia no modelo de governação do Mercado Único é considerar que lhe compete moderar as eventuais tendências populistas dos políticos, naturalmente manifestadas no Conselho ou no Parlamento, regendo-se estritamente por critérios legais e pela sua fundamentação técnica e económica. Neste caso, a sua atuação terá sido compatível com esta ideia?

E há a política industrial, coisa que tem tido uma carga negativa, apesar daquilo que se tem feito ao abrigo do nome mais politicamente correto de políticas de coesão. Mas com os problemas das cadeias globais de abastecimento e com o interesse em incentivar novas tecnologias, tem-se voltado a falar de política industrial europeia. Agora há uma nova urgência, porque se trata de reagir, ou não, a iniciativas americanas de política industrial singularmente agressivas, como a atribuição de subsídios para promover as indústrias renováveis e a cadeia de valor de semicondutores. O que se deve fazer na União Europeia? Levar o assunto para a Organização Mundial do Comércio não adianta muito nesta altura, nem seria o procedimento adequado para uma situação que tem outras implicações como a liderança tecnológica em áreas que têm a ver com a segurança e a defesa comuns. Um problema é o risco de uma migração de investimentos e de quadros qualificados para os Estados Unidos, naquelas indústrias. Uma hipótese seria a Europa responder na mesma moeda. Para isso tem-se dito que não basta rever regimes de ajudas de Estado para permitir aos Estados nacionais apoiar projetos nestas áreas. Como a capacidade financeira dos estados nacionais é diferente, ficar por aí significaria que os Estados com maior capacidade financeira poderiam distorcer a distribuição geográfica dos investimentos no Mercado Único. Os investimentos europeus não seriam desviados para os Estados Unidos, ficariam concentrados na Alemanha, por assim dizer. Para ultrapassar isto, uma via seria retomar mecanismos de financiamento comum, por exemplo, emissão de dívida comum. Não fazer nada significaria comprometer o futuro tecnológico da Europa? Vamos ver o que sai daqui – e, de novo, como nos vamos ajustar internamente.




João Confraria é Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics.

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics.

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