30 nov, 2017 - 19:12 • António Jorge, coordenador musical da Renascença
“Baterista e baixista precisam-se para grupo punk”. O Zé sabia que o sonho era uma constante da vida. E por isso o curto anúncio, cheio de intenção, que o levou ao seu primeiro palco, em Janeiro de 1979 nos Alunos de Apolo, em Lisboa, ao lado de Zé Leonel na voz, Tim no baixo e Kalú na bateria, foi só o princípio de uma longuíssima e não tenho dúvidas, maravilhosa viagem que foi a sua passagem pela vida de todos nós.
A memória mais antiga que tenho do Zé, que nos deixou esta quinta-feira, leva-me ao Rock Rendez Vous (sim já foi há uns anos), quando numa daquelas irrespiráveis tardes, feitas de um rock português cheio de vícios e vontades, mas a espaços já atrevidamente determinado.
Eu ao balcão e o Zé mesmo ali ao lado – ele ri-se e pergunta” tudo bem?” Eu, do alto dos meus 17 anos aceno que sim, acrescentado um ruborizado “tudo bem”.
Ele pede uma cerveja, eu reajo por osmose e peço outra. Pego apressadamente nas moedas que me vão rasgando o bolso das calças, e quase grito: “eu pago”. O Zé voltou a rir, pegou na garrafa, ajeitou o cabelo e disse algo como: “obrigado puto”. E foi à vida dele – porque já naquela altura, o rock não podia esperar.
A última vez que falei com o Zé, foi o ano passado, num fim de tarde Primaveril, no Chiado. Precisei de falar com outro Zé Pedro, um colega meu e peguei no telefone.
- Estou, Zé estás bem?
- Sim, tudo bem e tu?”
Sinto que há qualquer coisa fora do sitio, mas continuei.
- Estou bem, obrigado. Estás aqui na Rádio?
- Não, mas era suposto? Nem sequer estou em Lisboa.
Percebo rapidamente que não é o Zé Pedro dos botões e das vias das mesas de som.
- Desculpa, Zé Pedro Pereira?
- Não, Zé Pedro Reis.
Rimo-nos muito os dois. Eu a explicar a coincidência do nome, ele ria ainda mais, e a cada pedido de desculpas meu, o Zé repetia um sincero “não faz mal”.
Despedimo-nos e marcámos encontro no Palco Mundo do Rock in Rio Lisboa – local onde dois anos antes tinha tido a sorte e o privilégio de o fotografar junto de Little Steven, da E. Street Band, um dos seus ídolos.
“Agarra-te a ele Zé”, gritei antes de registar o momento: e o Zé agarrou-se.
O episódio terminou com uma chamada para o meu colega Zé Pedro Pereira. Contei-lhe a confusão e não tenho a certeza que tenha falado no assunto que motivou o primeiro telefonema.
O Zé Pedro era por excelência o rock, e o rock era por gratidão o Zé Pedro. E por isso arranjou sempre tempo e sorrisos para algumas bem-sucedidas incursões no cinema, na rádio e na televisão e, até na moda – é conhecida a história de desfilar ao som de Jimmy Hendrix, de saco nas mãos, apenas porque não sabia o que fazer-lhes - não havia guitarra.
O Zé sabia que o sonho era uma constante da vida. Espero sinceramente que tenha enfim encontrado a nota certa, o “riff” perfeito e, descanse. E depois “e salta Zé Pedro e salta Zé Pedro”.
Já agora, o Zé era guitarrista e foi sempre o Zé Pedro: o Zé Pedro dos Xutos - a melhor coisa que lhe aconteceu na vida.
Obrigado, Zé Pedro!