Sound Particles. A empresa portuguesa que conquistou Hollywood e quer ser a "Pixar do som"

Sound Particles. A empresa portuguesa que conquistou Hollywood e quer ser a "Pixar do som"

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23 nov, 2017 - 15:48 • Elsa Araújo Rodrigues

O som de filmes tão conhecidos como "Gru – O Maldisposto 3" e "Steve Jobs" tem origem portuguesa. A "startup" de Leiria quer transformar a produção de som em cinema.

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Criar 20 mil sons espalhados por um quilómetro quadrado representado num filme faz-se hoje em poucos minutos, graças a um produto português. As paisagens sonoras de alguns dos filmes mais vistos dos últimos tempos foram criadas com “partículas de som” criadas por um programa informático português, o Sound Particles.

O "software", um "pequeno monstro com 100 mil linhas de código", recorre aos princípios da computação gráfica para criar cenários sonoros e foi apadrinhado pela Skywalker Sound, empresa de som para cinema criada por George Lucas, realizador de “A Guerra das Estrelas”.

Nuno Fonseca é engenheiro informático, professor de tecnologia de música e apaixonado por cinema. O programa que criou recorre à aleatoriedade e permite produzir sons "mais naturais".

O que são estas “partículas de som”?

São partículas que juntas formam uma empresa que gira em torno de um programa chamado Sound Particles, um “software 3D” mas para som. Utiliza conceitos de computação gráfica aplicados ao som, o que permite, entre outras coisas, simular milhares de sons e criar paisagens sonoras (“soundscapes”) para filmes épicos e todas as aventuras sonoras que se possam querer fazer em filmes ou em videojogos.

Já produziram som para algumas das maiores aventuras sonoras de Hollywood.

Sim. Neste momento, o programa já foi utilizado em vários filmes, por exemplo, em filmes de animação como "Carros 3", "Gru – O Maldisposto 3" ou "Os Smurfs". E também filmes de super-heróis, como "Batman V Super-Homem: O Despertar da Justiça", "Wonder Woman", "Spiderman", "Ghostbusters". Mas também filmes mais intimistas como "Steve Jobs" e obviamente, de ficção científica como "Guardiões da Galáxia Vol. 2", "Ghost in the Shell: Agente do Futuro”, "Dia da Independência 2", entre outros.

O "trailer" de "Liga da Justiça", um dos últimos filmes com som produzido pelo Sound Particles

Têm uma grande presença em Hollywood. Como chegaram aos grandes estúdios?

Foi muito mais fácil do que possa parecer. Em 2014 ia haver uma conferência técnica em Los Angeles e, algumas semanas antes de ir a essa conferência, mandei um email para alguns estúdios a dizer que estava a trabalhar nesta área, que podia ser particularmente interessante para grandes produções em que é preciso trabalhar com muitos sons ao mesmo tempo.

Uma das primeiras respostas que tive foi da Skywalker Sound, criada pelo George Lucas, aquando de "A Guerra das Estrelas", e que actualmente é provavelmente a maior e melhor empresa de som para cinema de todo o mundo. Convidou-me para ir ao Skywalker Ranch [local de trabalho do cineasta e da sua equipa, situado em Marin, na Califórnia] fazer uma apresentação. E depois, no espaço de seis meses, acabei por dar palestras em todos os grandes estúdios, como a Fox, a Universal, a Warner Brothers, entre outros.

Depois das visitas, esses grandes estúdios passaram a utilizar o programa da Sound Particles?

Sim, porque hoje em dia todo este trabalho é essencialmente manual. Ou seja, se estiver a trabalhar no som de uma batalha, o que tenho que fazer é meter uma explosão aqui, outra explosão acolá, outra explosão mais tarde. E todos estes sons têm que ser trabalhados individualmente, pôr um som de cada vez. Passado algumas horas ou alguns dias de trabalho, talvez se tenha 50 sons a tocar ao mesmo tempo para simular uma batalha épica ou uma batalha espacial.

Já com o "software", em poucos minutos, consigo dizer: quero 20 mil sons espalhados por um quilómetro quadrado. Vou à minha biblioteca de sons buscar 400 sons de guerra e ele automaticamente cria de forma aleatória vários sons, vários movimentos, e obviamente, o resultado é muito mais realista. É muito mais orgânico e, do ponto de vista da produtividade e da escala, é muito melhor.

Uma harmonização perfeita entre a engenharia e o som. Qual foi a motivação para trabalhar neste cruzamento?

Sempre fui daquelas pessoas com um pé em cada lado. Ainda me lembro de quando andava no 9.º ano ter feito aqueles testes psicotécnicos e tive exactamente a mesma classificação para engenharia e para música. E, actualmente, o que faço é trabalhar nas duas áreas.

Dou aulas de engenharia informática, na área dos videojogos em Leiria, mas também dou tecnologia de música na Escola Superior de Música de Lisboa. Continuo com um pé em cada lado e, por esse facto, consigo perceber as necessidades de um grupo de profissionais. Mas depois consigo implementar algo que resolva essas necessidades.

Quando vais ao cinema, reconhece os "seus" sons na tela?

Por vezes, reconheço os sons na tela ou reconheço aquelas situações onde garantidamente o "software" terá sido utilizado. Porque são, claramente, aquele tipo de casos em que o programa terá mais-valias em relação à situação tradicional.

No fim, a parte mais interessante é ler os créditos e conhecer as pessoas, ver os nomes que já conheço. "Ah, conheço este, aquele. Olha, não sabia que estava a trabalhar neste filme." Ou então mandar um email de parabéns pelo trabalho que fez no filme. A maior parte destes profissionais são pessoas muito terra-a-terra, muito simpáticas.


De Leiria para Hollywood.

De Leiria para Hollywood [risos]. Outra coisa que é interessante é que as pessoas não estão muito preocupadas se alguém vem de Leiria, de Portugal ou de outro sítio qualquer. Existe muito aquele espírito americano de "não quero saber de onde é que vens, quero saber para onde é que vais". Foram extremamente abertos a convidarem-me a ir lá, para conhecerem mais o "software" e saberem como podia ajudar o trabalho deles.

Mandar um email para Hollywood e na semana seguinte estar lá. Foi assim?

Foi mais ou menos assim.

E como foi visitar os grandes estúdios?

É sempre interessante. Por um lado, para alguém como eu que adora cinema estar nos estúdios, conhecer os estúdios por dentro, conhecer [pessoalmente] alguns profissionais que são reconhecidos há longos anos. Por exemplo, o Ben Burtt que criou sons como os da "A Guerra das Estrelas", o Richard King que criou os sons para os filmes do Christopher Nolan, entre outros. É sempre interessante conhecer esses profissionais de topo. E também conhecer estes sítios que todos nós conhecemos dos "making of" e de todo esse universo.

É interessante também estar com eles [profissionais reconhecidos] quando estão a trabalhar num filme e dizem: "OK, então vem cá que eu estou aqui com esta cena deste filme, que vai sair daqui a uns meses, e quero utilizar o 'software'." Na prática, abrimos o programa, começamos a brincar com ele e a experimentar coisas para um filme em concreto.

O trabalho da Sound Particles tem sido tão apreciado em Hollywood que isso pode vir a traduzir-se num prémio.

Sim, neste momento a academia de cinema norte-americana está a considerar o Sound Particles como um dos produtos finalistas aos prémios científicos da academia. Todos nós conhecemos a academia pelos Óscares, mas, duas semanas antes, fazem a entrega dos prémios científicos, para as contribuições científicas para o mundo do cinema. E, depois, costumam inclusivamente passar um pequeno resumo de alguns minutos [da entrega desses prémios] durante os Óscares. Neste momento somos um dos 32 finalistas e em Janeiro vamos saber o resultado, se somos um dos contemplados com os prémios científicos da academia.



Em que fase está a Sound Particles enquanto empresa?

A empresa já tem um produto, já tem vendas, ou seja, está a começar. Estamos na incubadora D. Dinis em Leiria e já demos os primeiros passos. Já temos qualquer coisa cá fora que pode ser comprado e a ideia é continuar a apostar em novos desenvolvimentos.

Quanto é que já investiram e quanto esperam angariar de futuros investidores?

Até este momento, ainda não tivemos nenhum investimento. Partimos do capital inicial de cerca de 12 mil euros com que avançámos. Como já temos vendas, obviamente já temos alguma entrada de dinheiro. Neste momento, procuramos um investidor que faça um investimento na ordem dos 200 mil euros, sensivelmente, para podermos apostar e acelerar o desenvolvimento.

A sede da empresa, neste momento, é em Leiria. Ponderam abrir uma filial próxima de Hollywood, mais perto da acção?

É algo que está nos nossos planos, provavelmente a dois anos. Aí já precisaríamos de um segundo "round" [ronda] de investimento. Mas a ideia passará por abrir uma delegação na Califórnia, em Los Angeles. Para estarmos mais próximos do mercado.

Quantas pessoas trabalham na Sound Particles?

Neste momento, para além de mim, temos uma outra pessoa a trabalhar a tempo-inteiro. E temos mais três pessoas, que são professores do ensino superior, mas que colaboram em "part-time" ao nível do desenvolvimento. O "software" já tem alguma complexidade: estamos a falar de um pequeno monstro com 100 mil linhas de código e, nesta área, precisamos de pessoas mais seniores a nível do desenvolvimento.

Ainda estão apenas no início.

Sim. Para nós, isto é só o princípio. A nossa visão a longo prazo seria fazer na pós-produção aquilo que a Pixar fez com a animação tradicional: utilizar todas estas abordagens computacionais aplicadas ao som.

Mas dessa forma os filmes não vão passar a soar mais artificiais?

Não. Por outro lado, até podem sair muito mais naturais.

Como?

Por exemplo, uma coisa que o Sound Particles tem, e que normalmente os profissionais gostam, é que na natureza as coisas são aleatórias.

Quando estou a ouvir o som de numa floresta tropical, os sons são perfeitamente aleatórios. O grilo está a fazer um som diferente de um pássaro, do vento, de tudo isso. Uma das coisas que é difícil para quem cria som é criar sons aleatórios, o que faz com que não sejam naturais. O facto de ter números aleatórios e o computador criar números aleatórios faz com que o resultado final seja muito mais interessante. Por exemplo, comparando com a imagem, embora eu possa ter animadores a animar gotas de chuva, mesmo que eles façam isso, provavelmente animam algumas, depois fazem "copy-paste" [copiar e colar], duplicam, e no fim, parece que não é bem natural.

O facto de utilizar estes números aleatórios faz com que o som seja muito mais natural e muito mais interessante do que a versão artificial que os "sound designers" [designers de som] utilizam hoje em dia.

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