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Hora da Verdade

Mariana Mortágua. “Centeno usou uma retórica da direita, perigosa e moralista”

23 nov, 2017 - 00:06 • Eunice Lourenço (Renascença) e David Dinis (Público)

Dirigente do Bloco acusa Centeno e Marcelo de alinharem num discurso de limitação de direitos. Avisa que “não é aceitável” que os professores não vejam tempo de carreira contado. E diz ser “insustentável” ter défices zero por 20 anos.

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Mariana Mortágua. “Centeno usou uma retórica da direita, perigosa e moralista”

Hora da Verdade com Mariana Mortágua:


Mariana Mortágua lança críticas ao ministro das Finanças e deixa um aviso para a negociação com os professores, em entrevista à Hora da Verdade: “Não quero acreditar que ao descongelar carreiras todos os anos de serviço fossem pura e simplesmente ignorados. Isto não pode ser aceitável, nunca foi feito.”

Uma entrevista em que diz que o Presidente da República quer reconstituir um "Bloco Central" e antecipa o que o Bloco vai fazer na votação do Orçamento do Estado.

Vamos começar por um aviso do Presidente: Marcelo disse esta semana que não podemos viver na ilusão de que podemos voltar ao tempo de antes da crise. Acha que o aviso também é para o Bloco?

O Presidente disse duas coisas: que não podíamos achar que era possível voltar aos anos de antes da crise; e que não podíamos pensar como se a crise não tivesse existido. Em termos gerais é possível concordar com estas afirmações. Eu própria e o Bloco não achamos que seja possível o mundo continuar como se não tivesse existido a crise financeira de 2008.

E em termos concretos?

A questão é que o Presidente aplicou este raciocínio à reposição das carreiras dos professores. E o subtexto que está nestas declarações do Presidente, que esteve nas declarações do ministro das Finanças na Assembleia e tem estado no discurso da direita, é o discurso de que não é possível voltar aos níveis de direitos que tínhamos antes da crise (sejam eles salariais, de funcionários públicos, código laboral e por aí em diante). E que esta reposição de direitos não pode ser feita como se a crise não tivesse acontecido, não pode ser feita demasiado depressa, nem de forma demasiado violenta, porque ela pode trazer uma nova crise. Eu discordo em absoluto desta teoria e desta visão. Em particular porque o Bloco tem outra análise sobre o que nos trouxe à crise de 2007/2008. Quando dizemos que não é possível voltar a antes da crise, olhamos por exemplo para o sistema financeiro, que é um dos grandes responsáveis pela crise de 2007 - e aí, infelizmente, verificamos que o sistema financeiro funciona como se a crise não tivesse existido.

A propósito das palavras do Presidente, António Costa disse na terça-feira que é impossível refazer a história e recuperar as carreiras congeladas. Até quando é que acha que podem ser respostas estas progressões?

Parece-me, da leitura da frase do primeiro-ministro, que o está a dizer é.... Se olharmos para as reivindicações dos professores, nem os professores, nem os funcionários públicos reivindicaram retroactivos.

Não sei se é isso que o PM está a dizer...

(risos) É essa a leitura que acho é a leitura que é possível fazer [das declarações do PM]. Quando conseguimos actualizar as pensões nós não compensámos os pensionistas pelo anos em que as pensões estiveram congeladas. Na reposição das carreiras, o Governo está a pôr o cronómetro a contar. Mas ao começarmos a repor rendimentos e devolver direitos não podemos fazê-lo ignorando os direitos que foram congelados nesse período. No caso específico das carreiras, o que foi reivindicado pelos professores e pelos trabalhadores da AP é simplesmente poder ser reposicionado de acordo com os anos que trabalharam. É uma reivindicação legítima - e tem que ter reflexos no âmbito desta legislatura.

Mas esta contagem de tempo não está no acordo entre PS e BE. Se era uma questão tão importante, porque não a discutiram antes - p.e., na preparação do OE2018?

O descongelamento das carreiras estava no acordo [que viabilizou este Governo]. Não quero acreditar - e acho que isso nunca esteve em cima da mesa - que ao descongelar carreiras todos os anos de serviço fossem pura e simplesmente ignorados. Isto não pode ser aceitável, nunca foi feito. Mesmo no passado, com carreiras que foram congeladas, quando foram descongeladas os anos de serviço foram contados. Assim foi no tempo de Cavaco Silva, assim foi no tempo de António Guterres. E por isso não é de esperar e não podemos aceitar que simplesmente se passe um pano sobre anos de serviço destas pessoas. Tanto assim é que, quando houve um acordo para descongelar carreiras, esses anos foram contados - excepto para alguns profissionais, entre eles os professores que sentiram isso como um ataque à sua dignidade, dignidade relativa face a outros processos.

O BE entregou uma proposta no OE 2018, para permitir que esses anos sejam contabilizados a partir de 2019. O Governo fez um pré-acordo com os sindicatos, atirando a negociação em concreto para Dezembro. Acha que nessa altura, sem a pressão da aprovação do Orçamento, o Governo cederá?

A proposta do BE diz que tem que acontecer no âmbito da legislatura, até 2019. A partir daí entendemos que a negociação tem que ser feita com os sindicatos. Respeitamos essas negociações - que estão a acontecer. Achamos que a nossa proposta no Parlamento contribuiu para que o Governo se sentasse à mesa com os sindicatos, para procurar chegar a uma solução. Estamos a acompanhar muito de perto, preocupados com a situação, mas não nos queremos sobrepor ou substituir a essas negociações.

Mário Centeno disse na AR que "é preciso saber merecer" a reposição daqueles anos. O BE admite que se aproveite este processo para também se fazer uma revisão da avaliação dos professores e método de progressão?

Eu lamento que a expressão que o ministro usou tenha sido "saber merecer". Porque acho que ela faz parte de uma retórica que faz parte de uma retórica que a direita usou para justificar a austeridade - que é a retórica do país acima das suas possibilidades. E é uma retórica que cola muito bem à ideia de que direitos em excesso podem provocar crise. E é uma ideia perigosa, que nos diz que quando a crise vem a culpa é dos trabalhadores e não de um sistema económico e financeiro que é demasiado instável. E foi isso que aconteceu na crise de 2007 quando, de repente, uma crise financeira foi apagada do mapa e se veio dizer às pessoas que a culpa era delas. Delas aqui, na Grécia, na Irlanda, em Espanha e na Itália. Em todos os países a história foi a mesma: os preguiçosos do Sul, demasiados privilégios.

Eu gostaria de separar esta retórica profundamente moralista do "saber merecer" por uma retórica que talvez faça mais sentido do ponto de vista económico.

Acha que aquilo que Mário Centeno disse sobre os professores, pensa sobre os portugueses em geral?

Mário Centeno entende e reproduz em Portugal os condicionalismos e as regras que são as regras europeias. Ele tem aplicado essas regras em Portugal. Nós discordamos desta visão demasiado focada numa política de restrição orçamental e achamos que o país tem crescido quando é possível recuperar rendimentos, direitos, quando é possível dar uma folga à economia para investir. Isso move a economia. E achamos que há coisas que é necessário fazer ainda. Nomeadamente no mercado laboral - o mundo do trabalho foi muitíssimo atacado, a precariedade grassa no nosso país, os salários crescem menos do que a produtividade. E é necessário investir em serviços públicos - e é preciso dizer que o que está a ser executado não é o necessário, o que cria brechas. É preciso muito mais. Nestes aspectos, ambos muito condicionados por esta visão profundamente ideológica que tem a Comissão Europeia acerca do desenvolvimento das economias, Mário Centeno está de acordo com este enquadramento. E temos divergências que nos fazem questionar o caminho orçamental.

(...) Querer fazer isto durante 20 anos - o que Mário Centeno aceita e o Governo aplica -, implica que Portugal, para ter défices zero e cumprir os objectivos do pagamento da dívida, significa que este Estado vai ter que "dar lucro" de 5 mil, 6 mil, 7 mil milhões durante 20 anos, num país que precisa de investimento em serviços públicos. Isto é preocupante e coloca seriamente em causa a sustentabilidade dos serviços públicos.

Comentários
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  • silva
    23 nov, 2017 coimbra 22:28
    Sinceramente não percebo os portugueses. Se o sr.Centeno acaba de incluir no orçamento do próximo ano, 2018, mais cinco mil milhões de euros, CINCO MIL MILHÕES DE EUROS , REPITO para cobrir os roubos dos banqueiros e a sua má gestão, como se pode aceitar que não tenham quinhentos ou seicentos milhões de euros para repôs as carreiras que foram roubadas aos professores e naturalmente a outros funcionários publicos? A crise continua para uns e nunca existiu para outros ??? Muita coisa anda mal nesta espécie de país onde de facto não somos todos tratados da mesma maneira, nem iguais perante a lei e os governos....a legitimidade da governação estará entregue ao livre arbitrio de alguns donos disto tudo????
  • isidoro foito
    23 nov, 2017 elvas 11:01
    a avaliação dos professores deve começar pelos sindicalistas , em especial por mario nogueira é um mero professor primário e nunca lecionou , sempre ao serviço do PCP , logo não pode ser avaliado não pode subir na carreira e como este há milhares e quanto a esta menina do BE até gosto da frontalidade dela e da maneira como trabalha , mas ainda tem muito que aprender em termos de governação duma nação , agora como economista mete o mentiroso do Passos na algibeira das calças
  • p/RR
    23 nov, 2017 do r-q-t-parta 11:00
    Este Sr. Oscar da RR deve ter algum preconceito com os meus comentários, são tantas as vezes que não são publicados, que perguntava-lhe se é só aos meus que faz isto? Pelos vistos há muitos ignorantes que escrevem por aqui sem qualquer problema, mas os meus são sempre postos de lado não sei se por este sr. mas é sempre quando está de serviço. Tenha vergonha!
  • Bruno
    23 nov, 2017 Porto 10:41
    Bom dia caros leitores. Tenho pensa que NUNCA, nenhum OCS questione os políticos, principalmente esta malta do BE, o porquê de não falarem da injustiça que vivem atualmente os CIT na função pública. Basicamente, quem tem um CTFP, tem carreira, e vai ser a sua reposição, seja Professor, médico, enfermeiro, Assistente Técnico ou outra qualquer categoria, efetivada, pelo anos em que tal esteve congelada. Os trabalhadores com CIT, que a priori, e conforme o nome indica, deveriam ter a possibilidade de negociar Individualmente os seus contratos, são, a nível contratual (entenda-se tabela salarial) pagos de acordo com a tabela da FP, e sem direito a qualquer negociação, carreiras nem vê-las, e trabalham como os seus pares. É preferível que algum iluminado termine de uma vez por todas com a designação de Contrato Individual de Trabalho, porque de INDIVIDUAL não tem nada.
  • Lopo de Carvalho
    23 nov, 2017 Lisboa 10:41
    D. Mariana vá trabalhar, e acabe com esse discurso da treta.
  • Carlos Silva
    23 nov, 2017 Amora - Seixal 10:36
    A censura da "RR" barra, por vezes comentários que pela seu conteúdo, deviam ser publicados. Mas não barra vómitos de estupidez que são aqui plasmados!
  • Adelino Cadete
    23 nov, 2017 Condeixa-a-Nova 10:36
    É triste uma economista, que muito admiro, vir com esta conversa puramente eleitoralista. Para ela, o que é bom é ter défices excessivos. E pagam-se como? Não sabe que é com dívida pública? E que a nossa já está estupidamente alta? Pense nos mais novos (não é o meu caso, que estou na 3ª. idade) e não pense apenas em deixar-lhes dívidas para pagar.
  • P/antónio que produz
    23 nov, 2017 do r-q-t-parta 10:33
    "Tantos a mamarem à custa do estado e só querem direitos e não deveres. " ??? Mas há algum trabalhador neste país que não cumpra com os seus deveres, oh iluminado???? (...) isto para não te chamar outra coisa, é porque este espaço é um bocado limitado na liberdade de expressão. É ao contrário do que tu afirmas, cada vez há é mais deveres, mais facilidades de despedimento, menos salário, ou sempre o mesmo...Note-se que ainda à dias estudos apontaram que se fosse para ser atualizado o salário minimo desde de 74 já estaria em mais de 1200 euros, hoje em quase 2018 nem a metade chega, para mais encavaram-nos esta moeda unica para muitos dos privados se aproveitarem nos arredondamentos e subiram muitos dos preços para o dobro, hoje já se paga a 3x mais muita coisa, com o salário pelo escudo. Como vês, quem tem andado a mamar á custa da mais pobreza são vocês. Eu não sou professor, mas sei que os professores não têm tantas ferias como queres dar a entender, mas isto faz parte da tua ignorância. Eles têm que preparar as aulas em casa, exames, reuniões ou seja lá aquilo que for. E se não fossem os professores o que é que eras neste mundo? Ver um professor pelas férias só mesmo de alguém com inteligencia de papagaio. O que é irônico e ridículo é ver tanta gente a falar em riqueza que se produz, mas ver cada vez mais pobres, desempregados, os salários são mínimos... Alguns andam a enriquecer cada vez mais, mas não são os professores ou outros, estão mais pobres.
  • Americo
    23 nov, 2017 Leiria 10:11
    Triste....................
  • ESQUERDELHOS TANGA
    23 nov, 2017 Lx 09:58
    Por que no te calas mariana Mete àgua.. Vai bugiar.Nunca trabalhaste e vives à sombra da gamela do Estado parasitário que temos. Por isso, querida vai-te catar e deixa-te de tretas. Recebes mais de 4 mil euros por mês para dizer aleivosias...O teu pai andava a ocupar as herdades no Alentejo nos tempos áureos da abrilada e por isso quem sai aos seus não degenera..És uma populista e demagoga que gosta de caviar.

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