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Entrevista

​Milton Hatoum. O brasileiro sem pressa que levou nove anos a escrever “Dois Irmãos”

13 nov, 2017 - 17:42 • Maria João Costa

"Fascinado" com Portugal, onde há um "crescente optimismo", diz que "o Brasil está num estado lamentável". Considerado um dos maiores escritores da actualidade no Brasil, Milton Hatoum passou por Portugal e conversou com a Renascença.

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"Não tenho pressa, não quero publicar muito", diz. Levou nove anos a escrever “Dois Irmãos”. Milton Hatoum é considerado pela crítica uma das maiores vozes da literatura brasileira contemporânea. Lançou recentemente em Portugal o romance “Dois Irmãos” (ed. Companhia das Letras), que lhe valeu o prémio Jabutti, o mais importante galardão literário atribuído no Brasil.

A Renascença conversou com Milton Hatoum em Óbidos, no festival literário Folio, sobre a obra que tem como cenário Manaus, a cidade onde o escritor nasceu e onde vivem muitos dos portugueses que o inspiraram para o livro.

“Dois Irmãos” passa-se em Manaus, o grande porto do rio Amazonas e a cidade onde nasceu. É uma obra que apresenta várias personagens num país em mudança?

“Dois Irmãos” é um drama familiar ambientado na Amazónia, em Manaus. É a história de dois irmãos gémeos, narrada pelo filho de um desses irmãos, mas o narrador não sabe quem é o pai. Esse é o drama moral do narrador do romance. Ele sabe que o pai é um dos dois irmãos e conhece a mãe, que trabalha numa casa em Manaus, onde é empregada, mas não sabe quem é o pai. Essa dúvida moral acontece durante todo o livro. Ao mesmo tempo, a mãe é apaixonada por um dos irmãos e aí tudo se complica… É um romance que trata de relações amorosas e familiares. Fala muito de Manaus, dessa cidade brasileira do rio Amazonas, e é um livro que levei nove anos a escrever.

É arquitecto de formação e considerado pela crítica como uma das vozes maiores da literatura brasileira contemporânea. Porque não tem urgência em escrever e publicar?

Não tenho pressa para publicar livros. Publiquei até agora cinco romances e um livro de contos. Publiquei o meu primeiro romance em 1989, há quase 30 anos. Não tenho pressa, não quero publicar muito. Para mim, a quantidade não interessa, por isso é que eu reescrevo, tenho cuidado com a linguagem e com a história que quero contar, sobretudo com a dimensão humana, a profundidade psicológica e dramática de cada personagem e do narrador.

“Dois Irmãos” conta a história de Yaqub e Omar, gémeos nascidos numa família de origem libanesa, mas há outros personagens igualmente importantes no enredo?

É uma história que tem pelo menos seis personagens que julgo importantes. Tem o pai dos gémeos, a mãe, os dois irmãos, o narrador e a sua mãe, que é índia indígena. Há também a irmã dos gémeos. Todos eles estão implicados nesse drama familiar.

A acção passa-se em Manaus, cidade onde habitam também muitos portugueses emigrados e que Milton Hatoun colocou no livro.

Sim, conta também a história da minha cidade de Manaus, onde há muitos portugueses. Os meus vizinhos na minha infância eram portugueses e há personagens portuguesas no romance.

Está a contar uma história familiar, mas também fala de um espaço que lhe é familiar.

Sim, nasci e cresci em Manaus, passei lá a minha infância e uma parte da juventude. É uma cidade com a qual tenho grande intimidade e isso para um escritor é fundamental.

Facilita o trabalho?

Acho que um escritor não sabe na infância e a juventude que se vai tornar escritor. Mas quando ele começa a escrever, os fantasmas da infância e da juventude aparecem. Ele trabalha com a memória e a imaginação. Para mim, foi uma vivência extraordinária e incrível nessa cidade que fica muito longe do Rio de Janeiro. E o livro foi bem recebido pela crítica e pelos leitores. Foi já traduzido em 13 ou 14 países.

E que portugueses são esse que vivem em Manaus e habitam também o seu livro?

Foi inspirado nesses vizinhos que moravam ao lado da minha casa de infância. Eram portugueses da Póvoa de Varzim, eram poveiros. Eram pessoas humildes que emigraram para a Amazónia, para a cidade de Manaus. Lembro-me que tomavam uma sopa deliciosa de couve com toucinho que era uma maravilha. Lembro-me deles com muito carinho. Alguns deles voltaram para Portugal e viveram cá até ao fim da vida. Eles estão presentes, não só neste romance, mas também no primeiro, “Relato de um Certo Oriente”, que vai ser publicado pela Companhia das Letras. A influência portuguesa foi muito forte na Amazónia.

Como vê hoje Portugal?

Estou fascinado. Acho que há um crescente optimismo, ao contrário do resto da Europa. Portugal parece que vive uma espécie de círculo virtuoso e oxalá continue a crescer e tomara que a “geringonça” e o Presidente pensem no povo. É nisso que os políticos devem pensar, no bem-estar da colectividade.

É o contrário do que acontece no Brasil?

O Brasil está num estado lamentável. É muito triste. Espero que a gente supere esse momento sombrio. Há eleições em 2018 e tudo pode acontecer! Pode haver uma guinada para a extrema-direita, algo que acho muito perigoso, e há outros candidatos de centro e centro-esquerda… Vamos ver o que vai acontecer.

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