18 out, 2017 - 00:46 • Eunice Lourenço
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Está lá tudo. Tudo o que muitos portugueses esperavam do Governo e, não o tendo, pediam que o Presidente dissesse. Marcelo Rebelo de Sousa fez em Oliveira do Hospital o discurso do “novo ciclo”, que pode ser um novo ciclo político, um novo ciclo de medidas para a floresta e para a prevenção e combate a incêndios, mas será sobretudo um novo ciclo na sua relação com o Governo e, mais concretamente, com António Costa.
Depois do último fim-de-semana, o Presidente não perdoa ao Governo. Não perdoa os mortos, que lhe pesam na consciência e no mandato, mas sobretudo não perdoa a arrogância, a falta de afecto, de empatia, de humanidade. Por isso, começou por dizer essa verdade tão básica: “O Presidente é, antes de mais, uma pessoa”. E essa pessoa não aceita que se banalizem os mortos, que se aceitem tragédias em nome de reformas a médio ou longo prazo, que se ignorem dramas pessoais em nome de sobrevivências políticas.
Na segunda aparte do discurso, em que falou como Presidente que Marcelo deixou não só todos os avisos, mas sobretudo todas as exigências ao Governo a quem deu a “última oportunidade”. Disse que esta “é a última oportunidade para levarmos a sério a floresta”, mas estava, no fundo, a dizer que esta é a “última oportunidade” que dá a António Costa.
Pediu que o Governo “retire todas, mas todas as consequências” da tragédia de Pedrogão Grande à luz dos relatórios entretanto conhecidos, sobretudo o relatório da Comissão Técnica Independente, e sem esquecer o que aconteceu nos últimos dias. E pediu o “novo ciclo”, com pode ter caras diferentes.
“Abrir um novo ciclo obrigará o Governo a ponderar o quê, quem, quando e como melhor serve este ciclo” – é o convite à remodelação. Mas que também pode ser lido como a abertura a uma mudança de Governo, pois logo a seguir o Presidente faz questão de anunciar já como vai ler o resultado da moção de censura anunciada pelo CDS.
Moções e demissões
“Se há, na Assembleia da República, quem questione a atual capacidade do Governo para realizar estas mudanças inadiáveis e indispensáveis então que, nos termos da Constituição, esperemos que a Assembleia diga soberanamente se quer ou não manter este Governo”, assinalou o Presidente constituinte e constitucionalista.
Essa é uma "condição essencial para, em caso de resposta negativa, se evitar um equívoco, e, de resposta positiva, reforçar o mandato para as reformas inadiáveis”. Ou seja, a maioria de esquerda pode, afinal, ser “um equivoco” que é preciso evitar que continue. Ou, então, essa maioria existe mesmo em todas as situações e não apenas ao sabor do vento e será responsabilizada por isso e tem de se comprometer com as reformas.
É o PCP e o Bloco que têm de dizer se mantêm este Governo ou não e, como nos casamentos, na prosperidade e na adversidade. Recorde-se que, na reforma da floresta, foi o PCP a causar o chumbo de um dos eixos da reforma proposta pelo Governo.
Mas, mesmo que o resultado da moção de censura seja a sua rejeição, isso não garante a continuidade do Governo. O Presidente manterá, na mesma, todos os seus poderes, incluindo a “bomba atómica” da dissolução parlamentar. E a espoleta para a detonar será a fragilidade do Estado.
O Presidente prometeu que "estará atento e exercerá todos os seus poderes para garantir que onde existiu ou existe fragilidade, ela terá de deixar de existir". Mesmo que o Governo passe na moção de censura, mesmo que António Costa remodele a ministra da Administração Interna, mesmo que avance com as indemnizações às vítimas que já são a única forma de pedir desculpa pelo falhanço do Estado na protecção de pessoas e bens, mesmo que… Se o Presidente considerar que não foi restabelecida a confiança dos cidadãos no Estado, então Marcelo dissolve o Parlamento – medida para a qual não precisa de justificação – ou demite o Governo – acção que, segundo a Constituição, deve ser tomada “quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas”.
Indemnizações e oportunidades
António Costa, se quer manter o Governo, tem, pois, de recuperar a confiança dos portugueses no Estado. E recuperar a confiança do Presidente. Para isso precisa de seguir os seus conselhos.
"A melhor, se não a única forma de pedir desculpa a vítimas – e de facto é justificável que se peça desculpa – é reconhecer com humildade que portugueses houve que não viram no Governo o garante da segurança”, aconselhou Marcelo. E a única forma de ainda pedir essas desculpas - recusadas há quatro meses e continuamente recusadas desde a madrugada de segunda-feira – é avançando com as indemnizações às vitimas e famílias das vitimas.
Também nesse aspecto ficaram os conselhos do Presidente e do jurista que exigiu “a rigorosa avaliação dos contornos jurídicos do sucedido, também à luz do conteúdo do relatório [da Comissão Técnica Independente], quanto ao enquadramento de atuações e omissões no conceito de culpa funcional ou funcionamento anómalo ainda que não personalizado".
O Estado falhou, por acção e por omissão, como indicam os relatórios da CTI e do grupo liderado por Xavier Viegas. As mortes de Pedrogão podiam ter sido evitadas, o sofrimento dos feridos devia ter sido minimizado se a protecção civil e os meios de socorro tivessem agido com maior prontidão e organização, concluem ambos os documentos. E as mortes do último fim-de-semana não poderiam sequer ter acontecido, ainda para mais tendo em conta o relatório conhecido apenas três dias antes.
Se também há responsabilidades da EDP, da Ascendi, de proprietários de terras, de incendiários ou de agricultores negligentes então depois o Estado tentará ser ressarcido, mas primeiro tenta compensar as perdas, a começar pelas irrecuperáveis.
"Portugal tem o dever de proceder a tal avaliação e de forma rápida, atendendo à dimensão excecional dos danos pessoais, a começar no maior e mais pungente deles que é a perda de tantas vidas". Ordem do Presidente.
António Costa pode mostrar que ouviu o Presidente, já esta quarta-feira de manhã, quando receber a Associação dos Familiares das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande. E, à tarde tem o palco do debate quinzenal para tentar recuperar a gestão política que, nas tragédias, se lhe evapora. E, no sábado, tem um Conselho de Ministros para dar seguimento a todos os conselhos, recomendações e exigências do ultimato que o Presidente lhe fez esta noite. Assim consiga encontrar a humildade, a humanidade e o sentido de Estado que tanto lhe têm faltado nestes dias.