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“Uma aqui, outra acolá...” Seca reduz quantidade de castanha em Trás-os-Montes

13 out, 2017 - 16:05 • Olímpia Mairos

A seca extrema trouxe menos quantidade e menor qualidade. Bragança reclama “estado de calamidade”.

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Os dias deveriam ser de azáfama na serra da Padrela, concelho de Valpaços, precisamente onde se situa a maior mancha de castanha judia da Europa, mas a ealidade é bem diferente.

Nos soutos secos e empoeirados, à beira da estrada ou mais distantes, encontramos grupos reduzidos a três ou quatro pessoas que, com muito esforço, tentam aproveitar a pouca e pequena castanha que há.

“Este ano, não há castanha. E a pouca que há, vale pouco”, diz António Gonçalves, à medida que limpa o rosto coberto de poeira. António veio do Porto com a esposa, para apanhar as castanhas nos soutos que possuem na aldeia de Argemil, porque, diz, “não vale a pena contratar ninguém, pois isto não dá para a despesa”.

“O problema é o calor, pois quando os ouriços [cápsula onde se encontra a castanha] abrem, fica a castanha com a casca avelada, seca”, conta à Renascença, com o suor a escorrer-lhe pelo rosto e os pés enterrados na terra, lavrada recentemente.

É preciso um esforço acrescido para procurar a castanha e os ouriços estão secos e duros e nem as luvas, “das mais grossas que há, evitam as picadelas”, o que obriga António a “tirar as luvas de cinco em cinco minutos, para tirar os picos que entram por elas adentro”.

Num ano normal, António produziria à volta de “três mil e quinhentos quilos de castanha”. Este ano “se conseguir 500 quilos” já se dá por contente.

A comercialização é outra preocupação de António Gonçalves. “Há pouca gente a procurar a castanha. E quem aparece oferece 80 cêntimos por quilo, quando, num ano normal, a castanha nunca é paga a menos de dois euros e meio”. “Uma miséria, mas que havemos de fazer?!”, lamenta.

“Nunca me lembra de uma coisa assim. Os ouriços estão do pior”, atalha a esposa de António, que não revela o nome, porque não gosta de “aparecer da rádio”, mas confessa que possui “terrenos que, devido à seca extrema, têm brechas que até parece que foi um tremor de terra”.

“Aqui no souto é o que se vê... Uma castanha aqui, outra acolá… E se não trepamos devagar, enterram-se e já não as vemos”, lamenta.

“Vamos embora que não há nada e não vale a pena perder tempo”

Maria José Catumba, 41 anos, está a ajudar os amigos. Conta que “está a ser muito difícil, porque está muito calor, mais de 30 graus, e a castanha está muito sumida e é pequena”. “É uma verdadeira tragédia para a região”, lamenta, “e há muitos grandes produtores que costumavam contratar às 20 e 30 pessoas e este ano andam nos soutos com duas ou três”. “Perde toda a gente: os produtores e quem precisa de umas jeiras para viver”.

Maria José não se lembra de um “cenário tão desolador”. Recorda que “o ouriço, normalmente tem três castanhas” e o que tem visto, estes dias, é bem diferente: “uma castanha boa e duas secas, o que significa que, por falta de chuva, não se desenvolveram e a produção caiu na ordem do 80%.”

Em Nozedo o cenário repete-se. Num souto à beira da estrada, Conceição, 59 anos, com mais duas pessoas, está quase a chegar ao “cimo” do terreno. Para trás ficaram três sacos de castanha, de aproximadamente 30 quilos cada, o fruto de 12 castanheiros.

“O ano não está nada famoso, antes pelo contrário, isto está muito mau”, desabafa à Renascença, referindo que “há muito menos castanha e a qualidade também é inferior à do ano passado. “A castanha está sumida e avelada por causa da seca”, concretiza.

Conceição já vendeu alguns quilos do fruto, mas não sabe quanto vai receber por cada quilo. Conta que “levaram sem preço”, admitindo que corre esse risco “para não ficar com elas em casa”. “Depois pagam como eles quiserem ou entenderem”, conclui.

Francisco Lopes, 71 anos, é produtor de castanha na zona de Sobrado. Foi à beira da estrada que o encontrámos, quando aguardava a chegada de três apanhadores à carrinha. Chegaram com os baldes vazios e no saco “uns dois ou três quilos”.

“Vamos embora que não há nada e não vale a pena perder tempo”, diz aos trabalhadores que o seguem até ao veículo. Antes de entrar, com um semblante triste, diz-nos: “Eu até tenho muitos castanheiros, mas este ano não há nada”. E o pouco que há, carece de “qualidade”.

“E a que se deve esta quebra?”, perguntamos. A resposta surge de imediato: “à falta de chuva, ao calor e a este sol que estraga o pouco que há”.

O produtor que andou “um ano inteiro a trabalhar, para tirar algum rendimento para as despesas da família”, ainda quer acreditar que não está tudo perdido. E deposita esperança na chuva que possa vir a surgir nos próximos dias. “Se vier a chover, pelo menos ajuda a castanha a cair e isso já é muito bom”, conclui.

Mais de 80% de Portugal continental encontrava-se, em Setembro, em seca severa, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, caracterizando-o de mês “extremamente quente”. Neste período, o total de precipitação acumulado foi de 621,8 milímetros (70% do normal), sendo o 9º valor mais baixo desde 1931.

“Calamidade para os produtores. Tragédia para a economia da região”

No concelho de Bragança os produtores de castanha reclamam ajuda do Governo para fazer face “à calamidade” que se abateu sobre a produção devido à seca extrema.

“Esta campanha será uma calamidade para os produtores de castanha e uma tragédia para a economia da região”, afirma Carlos Fernandes, presidente da Associação de Produtores de Castanha Transbaceiro.

Na região há muita castanha, mas devido à seca extrema “o fruto não se desenvolveu, não tem calibre, não se conserva”, observa Carlos Fernandes, acrescentando que, se não chover na próxima semana, “nem a castanha mais tardia, a Longal, irá salvar-se”.

O presidente da associação frisa que “sem chuva é a perda total da produção da castanha”, com a agravante de, no próximo ano, “muitos dos castanheiros nem sequer rebentarem na floração”.

A associação, que já solicitou uma reunião urgente ao Ministério da Agricultura, quer que o Governo “declare situação de calamidade pública” e propõe várias medidas de apoio aos produtores. Entre elas “a criação de uma linha de crédito, o pagamento antecipado, o mais rápido possível, dos subsídios e apoios agrícolas, a suspensão das contribuições para a segurança social de todos os produtores que estejam na situação de activos e a redução do preço da água em 50%, quando utilizada para fins agrícolas”.

O concelho de Bragança é dos grandes produtores nacionais de castanha e a associação representa quatro aldeias, onde 160 agregados familiares contavam com o rendimento de mil toneladas deste fruto seco, que num ano normal rondaria 1,5 milhões de euros.

O presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias, já fez saber que vai reclamar junto do Governo ajuda para os produtores de castanha do concelho, considerando que as consequências da seca, “podem pôr em causa a subsistência de muitas famílias”.

O autarca considera que o concelho está “a viver um momento dramático, naquilo que tem a ver com a produção”.

A castanha é actualmente uma importante fonte de rendimento de muitas famílias transmontanas. A região é responsável por 80% da produção nacional do fruto.

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  • justo
    30 out, 2017 Leiria 16:00
    E quando há o estado de fortunidade, também se queixam ou enchem os bolsos.

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