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Opinião

Autárquicas. O país mudou e mudou para melhor

22 set, 2017 - 20:39 • José da Silva Peneda

Nestes últimos 40 anos, a mudança no que respeita à administração local e suas relações com o poder central foi muito significativa e muito poucos serão os que não concordam que, neste aspeto, o país mudou e mudou para melhor.

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As eleições para os diferentes órgãos das Autarquias Locais que se realizam no próximo dia 1 de Outubro acontecem passados 41 anos depois das primeiras eleições desta natureza, realizadas em Dezembro de 1976.

A revolução de Abril de 1974 encontrou um país em que as estruturas do poder local eram muito débeis. Na larga maioria das câmaras municipais a competência técnica era muito fraca, a capacidade financeira era muito incipiente e a capacidade política era inexistente, porque os dirigentes das câmaras municipais e das juntas de freguesia não eram eleitos, mas nomeados pelo governo central.

Para dar a ideia da situação confrangedora que se vivia nalgumas zonas do país, lembro que em toda a província de Trás os Montes e Alto Douro não residiam de forma permanente nem engenheiro ou arquiteto capaz de assinar um projeto a submeter a aprovação das entidades competentes. Com exceção de Lisboa e Porto, e de uma ou outra grande cidade, os municípios não dispunham de nenhuma capacidade técnica. Os presidentes das câmaras da época e daquela região se queriam ter obra feita tinham de vir ao Porto e pedir, por favor, aos gabinetes de engenharia e arquitetura para que calculassem e desenhassem os respetivos projetos. A maior parte das vezes tratava-se de pequenas obras mas para aquelas terras eram muito importantes e, se a fatura fosse de pequena monta, os autores dos projetos eram normalmente presenteados com o que de bom havia naquelas terras.

Isto acontecia há 40 anos, tempo em que, por exemplo, o concelho de Mirandela tinha várias freguesias que não tinham ligação por estrada à sede do concelho e o único meio de transporte disponível era o burro.

Acresce que os municípios não tinham qualquer tipo de autonomia financeira e as obras e melhoramentos que iam propondo careciam sempre da boa vontade do poder central para poderem ser concretizadas.

Não foi por isso surpresa que se viessem a propor alterações que modificassem de forma radical a situação vigente, começando com as primeiras eleições livres para os municípios e freguesias em 1976, que se constituiu como o primeiro grande sinal de descentralização em que se procurou o envolvimento das populações em processos de decisão que lhe tocavam muito de perto.

O caminho percorrido nestes 40 anos registou as profundas transformações de que o país foi alvo e uma dessas grandes transformações teve a ver com as mudanças que aconteceram a nível do chamado poder local, que foi decisivo para que o país se apresente hoje muito diferente e para melhor, face ao que acontecia em 1976.

Antes do 25 de Abril, um conhecido realizador da televisão fez um filme sobre a produção do Vinho do Porto e quando exibia as imagens referentes à descarga das pipas no cais de Vila Nova de Gaia, através das quais se via um trabalho braçal hercúleo de muitos homens descalços a encaminhar as pesadas pipas com o apoio de uns improvisados trilhos de madeira, parava a imagem e perguntava à assistência se eram capazes de dizer aproximadamente a data em que aquele filme tinha sido feito.

A resposta andava, na sua grande maioria pelos anos 30 ou 40 do século XX.

Então, ele voltava a acionar a imagem que, ao deslocar-se, mostrava a Ponte da Arrábida em fase final de construção, o que significava que as imagens tinham sido colhidas em 1962.

Tal como no filme, também hoje, será muito difícil fazer acreditar aos nossos jovens que há 40 anos havia aldeias em Portugal em que os mortos, para serem sepultados, tinham que ser transportados por burro.

Neste percurso tive o privilégio de ter desempenhado as funções de secretário de Estado da Administração Regional e Local em dois governos, presididos por Maria de Lurdes Pintassilgo e Francisco Sá Carneiro, numa altura em que se deram passos muito significativos para a consolidação do poder local.

Foi o tempo de os municípios concentraram a sua atividade no que era mais urgente e o mais urgente tinha a ver com a resolução de situações básicas que se situavam nas áreas das vias de comunicação, escolas, abastecimento de água canalisada, eletricidade e tratamento de lixos e esgotos.

Hoje é impressionante a comparação da evolução de dados estatísticos sobre estes temas nos últimos 40 anos. Estou a fundamentar esta opinião baseando-me, por exemplo, no acesso à saúde, à educação, à cultura e aos tempos livres.

Em 1990, apenas 58% da população tinha acesso a água canalizada, enquanto em 2010 esse valor passou para 98%. Em 1994, apenas 31% das águas residuais urbanas eram objeto de tratamento, para essa percentagem passar a ser de 71% em 2009.

A disseminação de equipamentos educativos e culturais pela malha urbana do território representa outra evolução impressionante. Vejamos: os principais núcleos urbanos portugueses têm-se dotado de uma rede de instituições de ensino superior (eram 28 estabelecimentos públicos em 1960, para serem 128 em 2013); museus (eram 99 em 1961, 333 em 1994 e 674 em 2014); e, bibliotecas (eram 89 em 1960, 735 em 1994 e 1018 em 2013).

A nível financeiro foi o tempo da primeira Lei das Finanças Locais, que consagrou uma verdadeira autonomia financeira das autarquias Locais e uma relação de transparência entre as administrações central e local.

Foi também o tempo de incentivar os municípios a desenvolverem relações de cooperação entre vizinhos. A este respeito, recordo o forte incentivo que foi dado para a realização de investimentos de que beneficiassem um ou mais municípios, os chamados investimentos intermunicipais.

Foi ainda o tempo de criar instituições vocacionadas para formação de quadros para as autarquias locais, de que o Centro de Estudos e Formação Autárquica (CEFA), localizado em Coimbra é exemplo.

Foi o tempo da criação do Conselho Geral de Municípios, embrião do que veio a ser a atual Associação Nacional de Municípios.

Hoje os municípios dispõem de capacidade técnica e financeira indiscutíveis, mas a mais importante de todas as reformas foi a consagração da capacidade política muito forte de que hoje são detentores.

A conclusão a tirar é que, nestes últimos 40 anos, a mudança no que respeita à administração local e suas relações com o poder central foi muito significativa e muito poucos serão os que não concordam que, neste aspeto, o país mudou e mudou para melhor, para muito melhor, e prova disso é que não há força política que advogue uma reforma no sentido de centralizar a gestão pública, muito pelo contrário, a tendência surge claramente no sentido de se virem a reforçar os mecanismos de descentralização.


O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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  • Mario
    23 set, 2017 Portugal 14:12
    Sim mudou para melhor mas para os que governam nao para o povo.....

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