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Entrevista

A visita do Papa pelos olhos de um colombiano em Portugal

11 set, 2017 - 18:48 • Ângela Roque

Seminarista colombiano em Lisboa acompanhou à distância, mas a par e passo, a visita do Papa à Colômbia. Em entrevista à Renascença, diz que Francisco foi dar mais força e esperança para se construir uma Colômbia melhor.

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Carlos Andrès Erzao Giraldo tem 25 anos. Natural de Caquetá, Florencia, uma região que fica no sul da Colômbia, é filho único de uma família que aceitou com dificuldade a sua escolha vocacional.

Quer ser padre dos missionários da Consolata, e há um ano e meio que veio estudar Teologia para Portugal. Gosta dos portugueses, da comida e de fado. Tem saudades da Colômbia, e não esconde os receios quanto à consolidação do acordo de paz.

Em entrevista à Renascença, horas depois do Papa deixar Cartagena, falou do papel fundamental que a Igreja Católica teve e tem no processo de reconciliação nacional, e não tem dúvidas de que a visita de Francisco deu mais força e esperança ao povo colombiano. Que “tem tudo”, diz, para ser um grande país.

Como é que acompanhou a visita do Papa?

Posso dizer que se estivesse na Colômbia não tinha acompanhado tanto a visita como aqui em Portugal, porque aqui estive sempre ligado à televisão e à rádio colombiana. Não foi fácil por causa da diferença horária, mas acompanhei tudo, os diferentes momentos desde a sua chegada até que saiu de Cartagena.

E qual foi para si o momento mais marcante?

Foi em Villavicencio (encontro de oração para a reconciliação nacional na Colômbia), em que o Papa ouviu os testemunhos de vítimas e de agressores da guerra civil. Foi um momento mesmo marcante, o seu exemplo e atitude de pastor, ouvindo a uns e a outros. Aqui há muitas histórias para ouvir, há muitas vítimas, mas também há muitos agressores que também têm as suas histórias. O facto de estarem ali juntos, e o processo que tem sido feito, mostra que é possível perdoar e que é possível mudar e ir para a frente, que não há erros tão grandes que signifiquem que não possamos mudar de vida. Podemos ter muitos erros, mas temos a capacidade também de mudar, ir para a frente. Muita gente estava lá no mato, a lutar com a guerrilha, mas eles também são humanos e podem mudar de vida.

O acordo com os guerrilheiros das FARC tem alguns meses, mas o processo já provou que a paz é possível?

Estamos em caminho de paz. Houve um acordo, mas isso não é tudo. O governo e as FARC conseguiram dar um passo, sentar-se e conseguir um acordo, mas agora os colombianos têm de dar o passo seguinte, o passo da reconciliação e do perdão.

Esse é o mais difícil, perdoar e fazer as pazes com os antigos agressores e inimigos?

Exactamente. E isso é o que diz o Papa, que o caminho da paz é um caminho muito comprido. Mas, o importante é dar o primeiro passo, para seguir em frente. Então, esta visita foi o momento de fortalecer isso.

Foi uma visita importante, do seu ponto de vista?

Do meu ponto de vista e do de todos os colombianos. Tenho falado com muitos amigos e familiares, com gente que não acredita em Deus, que até não concordava com esta visita do Papa, porque achava que o Estado ia gastar muito dinheiro. No entanto, todos dizem que valeu a pena.

Houve muito interesse pela visita na Colômbia?

Era difícil não acompanhar a visita, mesmo quem não quisesse, porque toda a televisão colombiana e toda a rádio estava à volta da visita. As missas do Papa tiveram quatro milhões e meio de pessoas, isto significa 10% da população colombiana. Sem contar com as pessoas que saíram às ruas e que foram ao encontro do Papa em diferentes momentos. Se contarmos toda essa gente, então 25% da população colombiana viu e esteve com o Papa. Foi um momento de encontro, em que o Papa foi ao encontro dos colombianos, e em que os colombianos foram ao encontro do Papa. O meu pai, por exemplo, estava de férias e foi para a capital ver o Papa. Tenho família que mora da América e foi para a Colômbia ver o Papa. Foi um momento marcante, histórico, que tinham que acompanhar.

O timing escolhido para a visita também foi importante?

Muito importante. Temos um acordo que ainda não fez um ano, no entanto o povo colombiano estava desiludido, com pouca esperança, e este momento veio dar-lhes mais esperança. Não podemos perder a esperança de construir uma Colômbia melhor.

O Papa elogiou por diversas vezes o esforço que o povo colombiano tem feito no caminho da paz…

Sim, e ele acompanhou todo o processo. Não podemos dizer que o Papa estava lá no Vaticano sentado. Não, ele acompanhou o acordo de paz de início até ao fim, foi protagonista em diferentes momentos e acompanhou também à distância, com a Igreja colombiana.

Aliás, a Igreja Católica teve um papel muito importante neste processo, e também os missionários da Consolata com o projecto das ESPERE, as Escolas de Perdão e Reconciliação.

Exactamente. As ESPERE são um sucesso, porque dão resposta ao que agora precisamos – perdão e reconciliação. E não só as escolas das ESPERE, também o anterior presidente da Conferência Episcopal, Monsenhor Luis Augusto Castro, que é um bispo missionário da Consolata, já se tinha sentado com os guerrilheiros no seu vicariato e depois como presidente da Conferência Episcopal acompanhou sempre o processo.

O Carlos tem 25 anos. Como jovem colombiano, independentemente de vir ou não a ser sacerdote, tem esperança no futuro do seu país?

Sim. O meu país tem feito grandes mudanças. Comparando, por exemplo, com a altura dos meus pais ou avós, a situação era outra, completamente diferente. Eu oiço coisas de alguns missionários que estiveram na Colômbia, e eles dizem ‘na minha altura era muito difícil’. O país agora está melhor...

Mas, ainda há muito para fazer…

Claro, mas tenho esperança que é possível construir uma Colômbia melhor. Temos tudo: temos gente que é muito boa, muito criativa, temos muitos jovens. Temos dois oceanos, três cordilheiras, somos o segundo país com maior biodiversidade do mundo. Temos muito para fazer, agora sozinhos não podemos, por isso precisamos de estar juntos como colombianos. Também foi importante a mensagem que o Papa deixou sobre a importância da Amazónia, e falou disso todos os dias. Disse algo muito bonito, que foi que poderíamos aprender com os indígenas, com a sua maneira de se relacionar com a terra, com a natureza, porque para fazer o processo de reconciliação é preciso também reconciliarmo-nos com o meio ambiente. Afinal, o que significa paz? Ajudar o mundo com mais igualdade. E um país com maior igualdade é um país que cuida e se reconcilia com a natureza.

Somos também um país com uma face mestiça, porque na Colômbia há muitos indígenas, e às vezes queremos escondê-los. E foi bonito ver que em diferentes encontros da visita estavam lá indígenas. O Papa também falou muito do narcotráfico, temos de lutar contra isto. O Papa conhecia bem a realidade da Colômbia e não teve medo de falar, disse as coisas como são, falou como pastor.

O Carlos tem quantos anos e está há quanto tempo em Portugal?

Tenho 25 anos, feitos há pouco tempo, e estou em Portugal há um ano e meio. Estou muito contente de estar aqui, é um país fantástico, muito bonito. Além disso os portugueses são simpáticos, têm um jeito interessante de ser.

Diferente dos colombianos?

Sim, são diferentes, embora sejamos latinos e haja semelhanças. Mas, o português quando abre o coração é difícil sair do coração do português.

Como é que tem sido a adaptação a Portugal e à nossa cultura?

Algo muito importante na vida missionária, e que tenho aprendido dentro do Instituto, é o processo de inculturação, conhecer a cultura onde estamos. Gostar, amar a cultura, e conhecer o povo. Nesse sentido tenho-me preocupado por conhecer Portugal, por conhecer Lisboa, saber como é a vida dos lisboetas, as suas tradições. Um grupo de amigos um dia convidou-me: 'olha, vamos apresentar-te algo 200% português, vamos ouvir fado em Alfama'. Foi uma experiência muito bonita.

Nunca tinha ouvido fado?

Na rádio sim, mas ao vivo é diferente. E o facto de estar em Alfama, comer comida portuguesa, com vinho português e ouvir ao vivo aqueles cantos naqueles restaurantes pequeninos, senti que não estava no ano 2017, estava noutra data.

E a comida?

É muito boa. O bacalhau é um espectáculo. O que gosto muito aqui é a comida de mar, e aqui há muito oportunidade de comer peixe. Na minha terra comemos principalmente carne de vaca. Tenho um bocado de saudades, claro, mas não faz mal comer peixe.

Onde é que está estudar?

Vim estudar Teologia no seminário dos missionários da Consolata. Destinaram-me para aqui, porque nós somos assim, somos missionários, o nosso carisma é ad gentes, temos de estar disponíveis para conhecer diferentes culturas e países, para ir onde precisam de nós. Antes de vir para Portugal estive na Argentina, a fazer o noviciado, e depois de terminar o noviciado fui destinado a Portugal. O nosso percurso de formação é um bocado comprido.

É de quantos anos?

Depende do processo. Por exemplo, eu estou no meu oitavo ano do seminário. Estive quatro anos na Colômbia, depois fui para Equador e depois para a Argentina, e agora estou aqui em Portugal para terminar os estudos da Teologia.

A sua formação termina quando?

Não há uma data específica, o percurso vai mudando. Tenho de estudar a Teologia, mas depois há diferentes possibilidades, tudo em diálogo com o formador e o superior. Nós somos religiosos e além de ser importante a ordenação sacerdotal para nós o importante são os votos, que é o que nos identifica. Já fiz os votos simples e deverei fazer os votos perpétuos daqui a dois ou três anos. Posso ficar como sacerdote ou só como religioso.

Quando terminar os estudos para onde irá?

Ainda não se sabe, a escolha é feita segundo as necessidades que o Instituto tem no mundo. E há muitas. Ou seja, posso ficar aqui, posso estar na Ásia, voltar para a América.

O que é que gostava?

Antes de chegar a Portugal tinha muita vontade de ir para África, mas a Ásia também seria bom, ou a Europa. Voltar à América seria óptimo. Ou seja, estou disponível para o que for preciso e para o que Deus me chamar, que é o mais importante.

Sei que é filho único. Como é que os seus pais reagiram quando souberam que queria ser padre?

Não foi nada fácil. Ser padre já era difícil, missionário pior. Os meus pais tinham imaginado um caminho para mim que significava estar perto deles, em nenhum momento pensaram que o filho ia sair de casa tão cedo, com 18 anos. Ser missionário não significa apenas sair da minha região, significa sair do meu país e até do meu continente. Hoje o meu pai já aceita mais. A minha mãe morreu magoada e triste com a minha escolha, porque ainda não tinha aceitado.

Como é que descobriu que queria ser padre?

Na minha família só a minha avó era mesmo católica, os outros só iam à missa em momentos de festa, casamentos ou baptizados. Eu também só ia à missa em compromissos sociais. Acreditar em Deus? Não. E acreditar na Igreja ainda menos. Mas houve um momento em que escutei a Deus, que foi até às portas do meu coração e da minha vida quando estava a estudar Contabilidade. Foi um momento de mudar.

Houve um clique?

Sim, foi um clique, porque quando Deus entra na tua vida mexe tudo, e mexer significou deixar a faculdade e ingressar no seminário. Tinha 17 anos.

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