Tempo
|
A+ / A-

Autárquicas

Pode a voz ser a diferença entre um político parecer falso ou gerar confiança?

22 ago, 2017 - 12:15 • João Carlos Malta

Especialista em técnicas vocais não tem dúvidas de que esse é um factor diferenciador. Há muitos políticos a recorrer a profissionais para atacar as campanhas.

A+ / A-

A voz é um instrumento precioso para os políticos chegarem ao eleitorado. Quando é mal usada ou não é devidamente preparada, pode criar uma percepção negativa difícil de ultrapassar, mas quando é bem trabalhada pode ser uma mais-valia que cria empatia com o eleitorado. A um pouco mais de um mês das eleições autárquicas, a especialista em técnicas vocais e cantora lírica Ana Celeste Ferreira ajuda a perceber o que os candidatos devem fazer para ter sucesso.

A professora diz que a colocação da voz dos políticos “tem de inspirar confiança”. Mas como é que isso se faz? “Mesmo não percebendo nada de técnicas vocais, percebemos quando um político está a soar a falso e o discurso soa a intelectualizado e ponderado, ou seja, que não é genuíno e directo”, começa por explicar.

"Todos nós sentimos quando alguém nos tenta vender alguma coisa ou quando está a ser honesto e a ir directamente aos nossos corações", acrescenta.

Para ter o efeito pretendido, há um triunvirato essencial para os candidatos: “colocação, respiração e articulação".

“A colocação é definitivamente muito importante e deve estar mais no corpo e não tanto na cabeça”, diz. Como? “Aquela coisa dos políticos falarem tudo muito gritado, muito agudo, muito zangado, normalmente não inspira tanta confiança”, responde.

A receita certa é outra. “Inspira mais confiança uma voz calma, pausada, com boas ressonâncias graves que transmite que sabe o que está a fazer. Para isso, também é muito importante uma boa respiração para fazer boas pausas”, defende a professora de voz, que já trabalhou com vários políticos.

A regra, o inverso e Adele

Ana Celeste Ferreira enumera três factores que definem uma boa voz:

  • investir na saúde vocal e fugir de certos hábitos e práticas (como fumar, beber demasiadas bebidas alcoólicas, estar exposto a correntes de ar ou a ares condicionados);
  • treinar a voz, tal como um futebolista treina o corpo ou um tenista fortalece os braços;
  • e investir num médico porque “as pessoas não vão a um otorrino quando precisam. Vão a uma farmácia e pedem umas pastilhas que atacam os sintomas, mas o problema está lá e estamos a forçar a voz.”

Mas depois há os casos que desafiam a lógica e as regras. Os cantores Tom Waits e Adele são exemplos. Vozes roucas e côncavas. Porque têm eles tanto sucesso?

“As vozes roucas são frágeis e íntimas. Nós gostamos disso porque percebemos que o cantor está a expor-se, como por exemplo a Adele. Pensamos que está a abrir o coração para nós, que está a revelar-se. É muito comum as pessoas gostarem de uma voz rouca, mas ela é sempre uma voz disfónica”, explica.

Pegando no exemplo de Adele, a professora de técnicas vocais diz que é amada pelo público “porque tem aquele timbre característico muito rouco e muito pouco saudável”.

“Ela não vende pela qualidade da voz, mas pela qualidade das músicas e das letras, pela interpretação e emoção. Tecnicamente, ao nível de canto, está a fazer muita coisa errada, qualquer professor de canto teria de trabalhar com ela para que não se magoe nem fique rouca tantas vezes”, reflecte.

E dá ainda outro exemplo. “O Tom Waits não seria o Tom Waits se não tivesse a voz tão desgastada, tão degradada. A voz dele está toda arruinada. Eu gosto muito, mas como professora de canto não consigo ouvir muito tempo”, diz, entre risos.

Técnicas para usar a voz

Ana Celeste Ferreira defende para ter uma boa voz há que “aprender a respirar e isso inclui a respiração abdominal”. Há ainda que “abrir o espaço vocal e faríngico”.

Na lista de coisas a fazer incluem-se exercícios como “bocejar e mastigar exageradamente e fazer a exploração de agudos e graves”.

Há ainda especificidades mediante a profissão: nos cantores é a afinação; num orador, a capacidade de variar a tonalidade para não cair na monotonia; num locutor de rádio trabalhar a voz para que “seja calma pausada, relaxada e enérgica”.

Já um actor tem de ter uma voz muito flexível para que “consiga demonstrar emoções, como raiva ou medo, que são extremas em termos de intensidade".

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Fausto
    23 ago, 2017 Lisboa 00:06
    Qualquer um...nem pintados de oiro...
  • kika
    22 ago, 2017 do planeta Terra 14:23
    Não tenho a menor dúvida.
  • Alberto
    22 ago, 2017 FUNCHAL 13:45
    Só quem não quer é que não percebe a falsidade da voz de Sócrates, Costa e César, mas também " a venda de banha da cobra" de Marcelo ...ou a "voz do "neto inocente" de Passos!

Destaques V+