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Seca em Trás-os-Montes.​ “Água? Só puxada a petróleo”

03 ago, 2017 - 14:49 • Olímpia Mairos

Agricultores e autarcas transmontanos preocupados com a falta de água, numa altura em que 79% de Portugal continental está em seca severa e extrema.

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Na margem norte do rio Tâmega, em Chaves, Jorge Fernandes mete a enxada à terra. O solo está seco e a poeira cobre-lhe o rosto. Ao lado tem as couves que vai plantar, mas a tarefa não é fácil.

“Se não chove, tem que se ´coisar’ assim, rapar, e não ir muito fundo, porque a terra está muito dura”, diz à Renascença.

O pequeno agricultor lamenta a falta de chuva que está a condicionar as culturas e antevê um “mau ano”, porque, diz, “se não chove, nós não podemos fazer nada e isto é muito mau para os renovos, para o vinho e para tudo”.

Jorge Fernandes recorda os meses passados para dizer que “este ano não choveu nada, nem na Primavera”. “Vamos ter um ano muito mau, porque até os poços estão a ficar sem água”, conclui.

Não muito longe, numa extensa propriedade, anda Aida Vaz. O terreno fica nas margens do rio, onde cultiva um pouco de tudo. Para vencer a seca recorre à água do poço, mas essa “custa dinheiro”.

“Para termos alguma coisinha nesta altura, só mesmo com a água do poço, puxada por um motor”, refere Aida Vaz. “Como eu costumo dizer: água? Só a petróleo”.

Além deste terreno, a agricultura possui uma exploração de castanheiros na aldeia de Travancas, a 23 quilómetros de Chaves. É uma plantação nova e, por isso, as árvores precisam de água para se “agarrarem à terra”.

Como não chove, “compramos um depósito grande e levamos água daqui para lá”, conta à Renascença, explicando que “os castanheiros foram plantados este ano e precisam muito de água”.

No Planalto de Jales e Vila Pouca de Aguiar, Norberto Pires é um grande produtor agrícola. Para contornar a falta de chuva, não respeitou a rotação de culturas. “Em vez de implantar as culturas” onde pensou que “iria ter mais dificuldades de água”, foi para lugares “onde tinha mais água”.

Norberto tem a sua exploração agrícola dispersa por terrenos em Jales e no vale de Vila Pouca. Este ano, dada a escassez de água, investiu apenas nos terrenos do vale de Vila Pouca. A opção acarreta “custos acrescidos, sobretudo devido às distâncias a percorrer”.

“As deslocações são 50 minutos perdidos e são 12 pessoas a fazer este percurso, porque a nossa sede e onde fazemos o processamento da mercadoria é aqui, em Jales, e temos que a ir colher lá baixo e trazer cá para cima”, conta.

O produtor agrícola produz alface, alho francês, feijão-verde, pimentos e pepinos. Trabalha com contratos-programa com uma grande cadeia de hipermercados e está a cumprir as entregas.

Poupar água hoje para usufruir amanhã

Para evitar que a água falte nas torneiras dos vilarealenses, a Câmara de Vila Real tem em marcha uma campanha em que apela à poupança e está a preparar um plano de contingência para abastecer, através de autotanques, as freguesias onde os níveis das captações já são preocupantes.

“Tendo nós consciência de que a população em alguns casos duplicará, com a vinda dos nossos emigrantes, temos óbvias preocupações de que haja quebra no consumo ou no fornecimento de água”, afirma o presidente do município, Rui Santos.

A situação não abrange todo o concelho, mas há algumas freguesias onde se poderão verificar situações preocupantes, sobretudo nas que são abastecidas por captações próprias, como furos ou nascentes, ou onde as bacias hidrográficas estão já em níveis baixos.

Como exemplos, o autarca refere as localidades de Campeã, Torgueda, Mondrões, Pena, Quintã, Vila Cova, Adoufe, Vilarinho da Samardã, Borbela e Lamas de Olo.

O presidente da Câmara de Vila Real justifica “a campanha de sensibilização para os gastos de água” alertando para “boas práticas de consumo de água”, dizendo à população que “a poupança de hoje permite o usufruto de água amanhã”.

O plano de contingência prevê que “os pontos onde possa escassear a água possam ser abastecidos através de cisternas, caso haja necessidade”, no entanto, o autarca alerta para o facto de “mesmo com esse esforço do transporte de água em cisternas, pode haver momentos de ruptura”.

Os últimos dados disponibilizados pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) referem que, no final de Junho, cerca de 80% de Portugal continental estava em seca severa (72,3%) e extrema (7,3%).

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