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Pedro Filipe Soares: "Há aqui um problema comunicacional do Governo”

27 jul, 2017 - 00:13 • Eunice Lourenço (Renascença) e David Dinis (Público)

Em entrevista à Renascença e ao Público, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda admite que o executivo não está a lidar bem com os casos do último mês e isso "tem sido aproveitado pelo PSD e pelo CDS, não para ajudar a qualquer discussão, mas para criar ainda mais confusão".

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O Governo esperou uma normalidade que não voltou. E respondeu “como se faz normalmente” a problemas extraordinários, como o de Pedrógão Grande, diz o líder parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), Pedro Filipe Soares, em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal “Público”.

A líder bloquista, Catarina Martins, exigiu mais meios para combater incêndios e o Governo não deu. O BE critica, mas não cobra. “O Bloco não mudou a forma de actuação, mas claramente as circunstâncias são outras”, diz Pedro Filipe Soares.

No Verão de 2015, ainda com Passos Coelho no Governo, o BE convocou uma conferência de imprensa para dizer que "a incompetência do Governo não pode encontrar justificação na meteorologia” e que “compete a um Estado competente colocar um dispositivo no terreno que permita contrariar os efeitos, tanto ao nível do ataque directo como da prevenção”. E agora?

Creio que o que dissemos na altura tem estado a par do que dizemos na actualidade. Agora, creio que nenhum de nós pode negar que estamos a assistir a algo que, manifestamente, não tem apanhado o país preparado. As alterações climáticas deixaram de ser matéria de disputa científica, o país está numa seca severa e, claramente, não temos um país devidamente estruturado para responder a estas circunstâncias. Se há responsabilidades de governos, há, de muitos governos. Infelizmente, tínhamos alertado para a necessidade de preparar o país para as alterações climáticas, quer no que toca ao ordenamento quer à limitação de espécies, e de ter uma forma de pensar a Protecção Civil, garantindo que isso representasse um aumento da capacidade no terreno. Mas percebemos que, anos depois, estes alertas não tiveram consequência. E que agora estamos a ser confrontados com uma realidade difícil.

Esta semana, o Bloco criticou o PSD pelo mesmo tipo de argumentos que tinha usado em 2015. É o preço de estar a apoiar o Governo?

Não foram as mesmas críticas, o que o PSD fez foi utilizar uma falta de comunicação, de esclarecimento que devia ter existido sobre o número de vítimas de Pedrógão Grande, num debate que era sobre os nomes que estavam na lista de vítimas. E que o PSD sabia que estava a ser gerida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), por isso não era competência do Governo.

Mas o Governo podia ter pedido o levantamento do segredo de justiça.

Estava a ser feito pela PGR e o PSD sabia disso. E decidiu instrumentalizar esse acontecimento, essa lista e esses nomes para combate político. O BE nunca fez isso.

As circunstâncias também nunca tinham sido estas.

Certo. Não tínhamos assistido a um incêndio que tivesse levado tantas pessoas. E isto é gravíssimo, nós não desvalorizamos o que aconteceu. O Bloco não mudou a forma de actuação, mas claramente as circunstâncias são outras, a realidade é outra e a informação pública que existia já devia ter servido ao PSD para não fazer este número político. O PSD não era um partido que cometesse, noutros tempos, um erro destes.

Depois de Pedrógão, Catarina Martins exigiu um plano de contingência ao Governo, para garantir que não faltariam meios de combate aos incêndios este Verão.

Que não saiu do papel ainda.

E o Governo, que se saiba, não os reforçou. Os incêndios parecem não parar, aumentando os receios sobre como vai ser o mês de Agosto. Se houver mais vítimas, o Governo aguenta?

Nós não podemos fazer futurologia com vítimas. A proposta que a Catarina Martins fez é de medidas de urgência, para fazer no imediato, que tentarão minorar problemas, mas que não resolverão a questão de fundo. Infelizmente o Governo não tem a mesma opinião sobre a matéria.

Isso não responsabiliza o Governo?

Responsabiliza, claro.

Se o Bloco faz essa exigência, se o Governo recusa, se os fogos continuam, se houver problemas maiores...

A cada incêndio, do que é que ouvimos falar? Do número de bombeiros, da área ardida e das falhas do SIRESP. Mais um exemplo em que nós, em tempo útil, exigimos uma alteração ao que existe actualmente: o SIRESP é uma PPP que falha quando é precisa. E exigimos que o Estado assumisse o sistema. O Governo não quis, acompanhado pela direita. Sempre dissemos que este é um Governo do PS, as nossas escolhas seriam diferentes. Mas nestas matérias esperávamos ter uma abertura e um diálogo diferente, isso era desejável para o país. Avaliaremos o processo ao longo dos acontecimentos, na expectativa de que eles não sejam graves. E depois faremos uma análise política.

Acha que o Governo está a reagir bem a todos os problemas - Pedrógão e Tancos - que apareceram no último mês? António Costa fez bem em dizer este fim‑de‑semana que “está tudo esclarecido”?

Não podemos escamotear que há aqui, em primeiro lugar, um problema comunicacional do Governo. E que tem sido aproveitado pelo PSD e pelo CDS, não para ajudar a qualquer discussão, mas para criar ainda mais confusão. Reduzir tudo a um problema comunicacional é errado, porque há circunstâncias - a seca, a existência de fogos num momento muito inicial da época de incêndios e com estes efeitos, a par de acontecimentos noutras áreas [a questão de Tancos]. Digamos que a lei de Murphy se está a colocar na sua totalidade. Tudo isto cria um conjunto de circunstâncias que são extraordinárias. Responder a isto como se faz normalmente, como se nada tivesse acontecido de anormal, leva a que a resposta não seja a correcta, do ponto de vista de explicação, de tranquilização das pessoas. E que isso seja aproveitado por partidos que estão agarrados aos casos porque não têm política de fundo. Podia ser diferente? Podia. Creio que houve numa fase inicial a expectativa de que se voltasse a uma normalidade que ainda não ocorreu.

Para o Bloco, o Estado deve assumir-se como responsável e pagar às famílias das vítimas?

Nós temos essa opinião. A exemplo do que aconteceu noutra situação [o caso de Entre-os-Rios], um Estado de bem deve assumir rapidamente as suas responsabilidades em situações destas.

E as chamadas vítimas indirectas, também?

Nós não sabemos ainda a dimensão desse flagelo. O critério é legal e aí a PGR deve, primeiro, fazer uma listagem do que aconteceu. Depois, saber quem são as vítimas directas, as indirectas, ter uma avaliação do que aconteceu no geral. Há questões indirectas a que o Governo vai ter que responder? Necessariamente. O investimento naquela zona do país, a forma de minorar estragos que aconteceram, mesmo que indirectamente do incêndio, até dotar as infra-estruturas.

O Governo não se deve limitar ao critério estritamente legal?

O Governo deve ter uma sensibilidade para perceber o flagelo que aconteceu. Se o Governo disse que o que aconteceu não foi normal, então não devemos tratar como uma normalidade jurídica aquilo que é anormal.

Havia um consenso entre a esquerda, o PSD e o CDS para acelerar o passo dessas indemnizações. Mas parece haver uma resistência do Governo e do PS. A que é que atribui essa resistência?

Há aqui vários problemas: o primeiro é sobre as responsabilidades do Estado; o segundo é garantir que essas responsabilidades não vão retirar responsabilidades a outros [seguradoras]. Percebendo isso, temos perante nós uma situação extraordinária. E isso deve exigir do Governo celeridade. Para lá da resposta às situações individuais, também uma resposta à região como um todo. E o Governo pode e deve fazer um conjunto de acções, em que às vezes parece que tem actuado de forma reactiva e não activa. O caso das taxas moderadoras para as consultas de psicologia é um exemplo disso: deveria ter existido uma clarividência de antecipar o problema. Isto obriga-nos a exigir uma atenção extraordinária de todos os agentes políticos, também do Governo.

O que aconteceu com a reforma da floresta – um assunto considerado essencial para o Governo e para o Presidente – foi uma surpresa? O Bloco foi avisado de que o PCP iria chumbar a proposta do Governo para criar um banco de terras?

Nós não fizemos um diálogo específico com o PCP, tivemos um diálogo com o Governo. Não houve surpresa nem ausência dela. Fizemos isso com toda a transparência, com propostas a par das do Governo. E sempre dissemos ao que vínhamos. Quanto ao PCP, sobre se houve quebra de palavra, não somos nós que temos que responder, é o Governo.

Não foi um mau presságio para próximas negociações? Para as do Orçamento de 2018, por exemplo?

Não misturaria as duas coisas. Temos tido momentos mais animados, momentos menos animados. Em que as posições dos partidos têm sido mais e menos coincidentes. Temos sabido gerir isso com algum fair-play, com algum conhecimento aprofundado das posições de cada um, na tentativa de chegar a consensos. Eles têm sido muitas vezes possíveis, noutras têm sido impossíveis. São as limitações deste modelo.

Comentários
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  • Americo
    27 jul, 2017 Leiria 15:24
    Por este e com outros como este, é que o País está como está.
  • Pertervlg
    27 jul, 2017 Trofa 13:57
    É triste ler esta entrevista, este fulano (BE)não tem culpa de nada, algumas coisas menos más foi o BE que fez ou chegou a acordo. este fulano é mesmo um calhau com olhos. É triste ter estas pessoas na assembleia

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