05 jul, 2017 - 13:00 • Rui Barros
O clima de suspeição que paira sob o futebol português pode “afectar, de uma forma trágica, o futebol, enquanto produto”.
Esta é a opinião do especialista em marketing desportivo Daniel Sá. Em entrevista à Renascença, o director executivo do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM) defende que as dúvidas que atingem a verdade desportiva no futebol nacional podem “colocar em causa o modelo da competição a que estamos habituados”.
Numa altura em que o clima de suspeição no futebol se agravou, por força da divulgação, pelo Porto Canal, de e-mails trocados no seio do universo benfiquista, Daniel Sá teme que um clima generalizado de suspeitas possa conduzir a “uma importante perda de espectadores e, consequentemente, perda de patrocinadores” vitais para o negócio do futebol.
“Se olharmos bem para estas últimas semanas, acabamos de ter um clube que foi tetracampeão e, na prática, o que daqui resulta, é um clima de suspeição sobre o mérito desta tetraconquista", argumenta o director executivo do IPAM, que encara este episódio como mais um que, nos últimos anos, tem vindo a minar a confiança dos adeptos.
Daniel Sá lembra que, no futebol ou noutro desporto, a incerteza do resultado é o factor que atrai os espectadores, pelo que "quando criamos um clima de suspeita sobre essa incerteza que deveria estar apenas dependente do mérito de treinadores e de jogadores, temos um enormíssimo problema em mãos que pode afectar de forma trágica o futebol”.
O especialista teme que as suspeitas de corrupção instaladas possam afastar os espectadores da modalidade e aponta os mais novos como os mais susceptíveis de serem influenciados pelas recorrentes polémicas no futebol português. “Não sei se, com estas polémicas todas, teremos tantos adeptos de futebol como temos hoje”, questiona-se o professor de marketing, estendendo as suas dúvidas ao campo dos patrocínios.
“Estamos a falar de instituições e de marcas extraordinariamente importantes na sociedade portuguesa que veem a sua imagem beliscada. Isso, seguramente, afecta também os patrocinadores que, para além de procurarem a visibilidade que o futebol tem, não querem estar envolvidos em polémicas e confusões deste nível”, acredita.
Não se atrevendo a avançar com um valor para os efeitos económicos destas suspeitas, Daniel Sá avalia o mercado do futebol como um negócio que move “centenas de milhões de euros, anualmente” e, por isso, não tem dúvidas de que a perda de audiências e o receiro das marcas em verem o seu nome associado a polémicas podem influenciar os valores investidos neste mercado e, com isso, baixar competitividade.
“Os patrocinadores não querem estar seguramente evolvidos em polemicas, em confusões deste nível. Podem, claramente, querer afastar-se do futebol e retirar os investimentos regulares que fazem na modalidade.”
Esforço coletivo para bem da modalidade
Recusando a ideia de que o clima de suspeição sobre os resultados da Primeira Liga portuguesa se deva somente à recente polémica dos e-mail que envolve o Benfica, Daniel Sá acredita que há ainda um longo caminho por fazer pela dignificação da modalidade e que apenas um trabalho conjunto de todos os clubes pode conseguir isso.
“Eu gostava muito que os principais 'players' do futebol português se conseguissem juntar, não apenas para discutir legislação e alterações de estatutos, mas para fazer um planeamento colectivo a longo prazo para o desenvolvimento da modalidade”, apela Daniel Sá.
Para o professor do IPAM, a lealdade dos amantes de futebol para com os clubes não está a ser tida em conta no momento de se desenharem estratégias conjuntas para a valorização da modalidade. “Os clubes só são concorrentes desportivamente, ou seja, dentro do campo”, defende, acreditando que, por isso, não há o risco que um clube “roube clientes”.
Essa característica deveria, na opinião do especialista, levar os emblemas nacionais a “trabalharem em conjunto, a planear em conjunto e a construir uma visão a médio-longo prazo”, à semelhança do que acontece na indústria do calçado ou dos vinhos.
“Quanto melhor tiver o futebol em Portugal, melhor para cada clube, melhor para cada jogador, melhor para cada treinador”, acredita o especialista, que aponta a crescente falta de 'outsiders' na luta pelo título nacional como um factor negativo na valorização do negócio.
Bruxaria descredibiliza “trabalho sério”
Reagindo às também as revelações de Francisco J. Marques, segundo as quais o Benfica terá contratado um bruxo guineense, o especialista do IPAM não excluí a componente espiritual da equação, considerando que, por vezes, “no desporto, conseguem-se vitórias pelo atleta estar confiante” e que, por isso, ainda que excessivo, este tipo de componente mística “pode ter algum tipo de contribuição”.
Apesar de tudo, Daniel Sá entende que aquilo que veio a público na última semana ultrapassa essa componente mística para ser fator “descredibilizador” do futebol nacional.
“Tenho muita dificuldade em levar a sério seja qual for o clube porque parece-me pura e simplesmente disparatado”, bem como “descredibilizador do trabalho sério que atletas e treinadores fazem”, argumenta o director executivo do IPAM.