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​E depois da catástrofe? A pergunta de Olga Roriz num bailado com os pés na terra

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​E depois da catástrofe? A pergunta de Olga Roriz num bailado com os pés na terra

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29 jun, 2017 - 16:48 • Maria João Costa , fotos de Paulo Pimenta

Em “Síndrome”, a coreógrafa dança sobre a ferida aberta. Regressa ao cenário de guerra na Síria – mas também podia ser a tragédia de Pedrógão Grande – para se questionar sobre a "reconstrução interior".

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Cheira a terra no São Luiz Teatro Municipal, em Lisboa, porque o palco onde os bailarinos se movem está cheio de terra castanha, pedras e outros elementos, alguns recuperados a anteriores coreografias. Olga Roriz diz que o espaço cénico de “Síndrome”, que sobe ao palco do São Luiz esta sexta-feira e sábado, às 21h00, e domingo, às 17h30, é um “sítio de nenhures”.

Este não-lugar representa “um bocado de terra de uma cidade destruída”. O palco está cheio “de uma terra fina empoeirada” onde se movem e envolvem os bailarinos, cujos corpos vão ficando castanhos por causa terra.

Em “Síndrome”, a coreógrafa Olga Roriz regressa ao tema da guerra da Síria para olhar para o que acontece depois da catástrofe.

Ao seu lado neste novo espectáculo, Olga Roriz teve a filha, a actriz Sara Carinhas, com quem trabalhou pela primeira vez. “Pensei na Sara, sempre à espera de um não”, diz a coreógrafa (uma conversa que pode ouvir no programa Ensaio Geral da Renascença, esta sexta-feira depois das 23h00).

Em vez de um não, teve um sim. “Os filhos trabalharem com os pais é sempre um bocado difícil”, explica a coreógrafa, sentada na plateia do teatro. Tal não aconteceu em “Síndrome”: a ajuda da Sara Carinhas, que faz o acompanhamento dramatúrgico dos bailarinos, foi essencial. Para Olga Roriz, a filha representa “outra geração” que se pode “confrontar” com a sua.

De Alepo a Pedrógão

Depois de “Antes que Matem os Elefantes” (2016), que reflectia sobre a guerra na Síria e, em particular, sobre a situação na cidade de Alepo, Olga Roriz quis regressar ao cenário do conflito para se questionar sobre a reconstrução das feridas abertas.


“Refazer” é a palavra que a coreógrafa usa para caracterizar o espectáculo que agora sobe ao palco. Com a memória ainda fresca das mortes no incêndio de Pedrogão Grande, Olga Roriz sublinha a necessidade da “reconstrução interior”.

“Depois de uma catástrofe, seja ela qual for, a perda de um parente ou as coisas desastrosas que aconteceram aqui em Portugal há muito pouco tempo, como é que te reconstróis? Qual é a tua luta interior para continuar a viver sem ser só numa situação de sobrevivência?”, questiona a directora da Companhia Olga Roriz.

“Síndrome” nasceu, em conjunto, de Olga Roriz e dos bailarinos que lhe dão corpo: André de Campos, Beatriz Dias, Bruno Alexandre, Bruno Alves, Carla Ribeiro, Francisco Rolo e Marta Lobato Faria.

Foi neste diálogo criativo que surgiram também outros elementos que estão no palco, as páginas rasgadas de livros. “São objectos pessoais que se trazem quando fugimos de uma casa”, indica Olga Roriz.

Esperança? Não, imaginação!

“Se me perguntar se é um espectáculo onde se sente alguma esperança, digo-lhe que não”, explica Roriz, que não quis fazer um espectáculo onde se encontrasse “a luz ao fundo do túnel” ou “a felicidade possível”.

A antiga bailarina do Ballet Gulbenkian prefere falar de um espectáculo que interpela o público, fala mesmo num “objectivo”: pôr o seu espectador a “reflectir” e a “imaginar”. “Aquilo que acho que é mais importante, e que a arte dá ao público, é esse poder da imaginação, que é uma cura.”

Depois de Lisboa, a Companhia Olga Roriz vai partir em digressão nacional. Leva “Síndrome” ao Teatro Aveirense, a 8 de Julho; ao Teatro Municipal de Bragança, em Setembro; à Casa das Artes de Famalicão a 28 de Outubro; a Viana do Castelo a 3 e 4 de Novembro; e a Loulé a 17 de Novembro.

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