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Análise

Donald Trump: o rei das notícias falsas

29 jun, 2017 - 00:11 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Está sempre a acusar os media de darem notícias falsas. Mas Trump inventou uma capa falsa da Time para impressionar os clientes dos seus clubes de golfe. Mais uma das muitas falsidades em que o presidente americano está mergulhado.

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Fake news. Notícias falsas tem sido um dos mantras mais insistentes de Donald Trump desde que se lançou na política americana.

A lista dos órgãos de comunicação social que dela fazem parte é quase interminável. Praticamente todos os que se incluem nos chamados mainstream media, à excepção da Fox News — uma máquina de propaganda do conservadorismo americano e agora em particular do “trumpismo”.

As três grandes cadeias de televisão, os grandes jornais do país, os canais noticiosos no cabo, os sites noticiosos mais relevantes, todos — com excepção da Fox — já mereceram num momento ou outro o epíteto de “fake news”. Geralmente sempre que escrutinaram a presidência de modo mais eficaz, revelando mentiras, falsidades, incoerências, divisões internas, incompetências, etc. Ninguém escapou à acusação de que estava a difundir notícias falsas, porque a Casa Branca, essa, tinha sempre “factos alternativos” para explicar o que se passava. Tudo aquilo que é incómodo para a presidência é despachado como “fake news”.

Pois bem, o presidente que acusa os media de difundirem notícias falsas sobre a sua actividade é exactamente o mesmo que produziu uma capa de revista falsa com a sua foto e um título elogioso. E que a mandou pendurar em vários dos seus resorts de luxo para que os clientes possam admirar o quão importante ele é.

A revelação foi feita pelo “Washington Post”, um dos jornais que mais tem sido acusado por Trump de difundir notícias falsas. A ironia é que agora o jornal descobriu que o próprio Trump criou uma capa da revista Time com a sua cara que é toda ela falsificada. Inventou um número da Time consigo na capa que tem data falsa, títulos falsos, grafismo falso e distribuiu-o por vários dos seus empreendimentos turísticos espalhados pelo mundo, da Florida à Escócia.

A data é 1 de Março de 2009, uma altura em que estava no ar a primeira série do concurso que ele conduziu durante anos chamado “O Aprendiz” e onde ganhou popularidade nacional sobretudo graças à brusquidão com que despedia os concorrentes. “You are fired”, foi a frase que o celebrizou e celebrizou o concurso.

Mas a 1 de Março de 2009 nem sequer saiu qualquer número da Time. A revista dessa semana tem a data do dia 2 e traz na capa a actriz Kate Winslet. Em toda a revista não há uma única referência a Trump e ao seu concurso. Mas a versão falsa tem como título, sobre uma foto de Trump de braços cruzados e pose altiva, o seguinte: “Donald Trump: ‘O Aprendiz’ esmaga na televisão!”. E por cima do logotipo TIME, diz ainda: “Trump arrasa em todas as frentes… até na TV!”.

Para azar do falsificador, um olhar mais atento e especializado percebeu algumas diferenças entre o número inventado e o habitual grafismo da Time. A saber:

  • A revista não usa pontos de exclamação nos títulos de capa. Na de Trump há pelo menos dois para sublinhar as proezas do protagonista;
  • A moldura vermelha que a revista sempre usa na capa é mais larga e acompanhada por uma outra branca. A versão falsa omitiu a branca e enganou-se na largura da vermelha;
  • Os títulos secundários da Time vêm habitualmente no topo da capa, por cima do logotipo, e no número falso surgem ao lado direito em baixo;
  • O código de barras é diferente do habitual em dimensão e — gato escondido com rabo de fora — remete para uma lição de grafismo online que explica como se faz uma capa falsa da…Time.

Curiosamente, dos três títulos laterais, um deles não figura na revista autêntica. Foi inventado pelo falsificador e respeita ao aquecimento global, que define como “a nova era da extinção”. Um tópico que hoje surge como contraditório com as convicções do presidente.

Pormenores que, obviamente, nunca incomodaram Trump, que produziu a revista falsa para que os frequentadores dos seus clubes de luxo pudessem constatar com os seus próprios olhos como ele era uma pessoa importante.

Devidamente emoldurada, ela figura(va) em pelo menos quatro dos seus clubes de golfe, mas quando o “Post” começou a indagar um a um onde estaria a revista exposta, começou a perceber que foi sendo retirada de alguns deles. Foi o que sucedeu na Irlanda, onde passou de um local acessível ao público para o gabinete do gerente. Ou na Escócia, onde desapareceu de olhares indiscretos.

Mas ainda este mês, ela surge numa foto de um jantar que Trump fez num clube na Virgínia, nos arredores de Washington DC. Um clube onde a sua capa falsa não basta para impressionar os circunstantes. Aqui, existe uma placa que “assinala" uma alegada batalha importante da Guerra Civil americana, nas margens do Potomac. O rio que banha a capital federal ter-se-ia transformado num “rio de sangue” durante essa batalha, diz a placa. Sucede que os historiadores desmentem tal acontecimento e garantem que a batalha mais próxima do local assinalado dista pelo menos 16 quilómetros.

Outro pormenor que certamente se inscreve nos “factos alternativos” em que Trump é pródigo. Desta vez, contudo, a Casa Branca não recorreu à doutrina para justificar a capa da Time. A porta-voz do presidente limitou-se a dizer que não comentava a decoração dos clubes de golfe de Trump e recusou esclarecer se o presidente sabia que a capa era falsa.

Mas uma coisa é clara, Trump tem uma obsessão com a capa da Time Magazine. Várias vezes durante a campanha eleitoral se gabou de ter aparecido mais vezes na capa da revista do que qualquer outro personagem americano. E no dia seguinte a tomar posse afirmou que tinha “o recorde absoluto na história da Time”.

Mais uma afirmação desmentida pelos factos. Até ser eleito, Trump tinha aparecido 11 vezes na capa da revista e só o presidente Nixon, por exemplo, apareceu 55 vezes. Mas das 11 vezes que Trump foi capa, 10 foram já depois de ter entrado na política, portanto nos últimos dois anos. Antes disso, a única vez que teve tal destaque foi em Janeiro de 1989, de acordo com o registo da própria revista, que já pediu a Trump que retire o número falso do espaço público.

A capa falsa, datada do início de 2009, veio portanto pôr fim a um jejum de 20 anos, seguido de outro jejum de mais seis anos, quando o multimilionário anunciou a entrada na corrida presidencial em 2015.

Jejuns demasiado longos para um narcisista compulsivo como Donald Trump.

Comentários
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  • Maria Manuela Nunes
    29 jun, 2017 Queluz 10:42
    Será que a revista não o vai processar?
  • antonio
    29 jun, 2017 pais 09:14
    Continua a azia... inventou uma capa por brincadeira... os média escolhem o seu lado a sério. Deveriam ser imparciais. Falo dos americanos, pois os lusos coitados é só copy paste ao sabor da editora...
  • Manuel Sá
    29 jun, 2017 Porto 08:44
    Um indivíduo desta jaez só podia ser eleito por labregos - "raça" em quem os EUA são pródigos, para desgraça dos restantes.
  • A.
    29 jun, 2017 08:23
    Cada um faz o que quer. Não há pessoas que fazem essas montagens para colocar nas redes sociais? Se alguém quer imprimir e colocar onde bem lhe apetecer pode fazê-lo. Os empreendimentos dele não são públicos, são privados, são dele. Se ele quer pôr lá põe à vontade. Esta notícia é em forma de crítica por ser o Trump. Se fosse outra pessoa qualquer famosa muito adorada pelo público seria mais uma notícia "cómica" e totalmente na brincadeira porque lá está: cada um faz o que quer. Eu não sou a favor do Trump (e não sou mesmo!) mas há notícias, como esta, que podiam pensar 2 vezes. Já chega de ódio no mundo! Não o alimentem mais!
  • carlos miguel
    29 jun, 2017 viseu 08:10
    temos cá alguns destes porem menos requintados, veja-se o Pedrocas coelhone, o falso modesto caBacu de la silva etc e tal

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