21 jun, 2017 - 21:15 • João Carlos Malta (texto) Joana Bourgard (fotografia)
Falta pouco para o meio-dia, quando Pedro, Ana, Soraia e Ângela estacionam o carro no centro de Vila Facaia, uma das freguesias mais afectadas pelos fogos em Pedrógão Grande. Não se conheciam todos. O Facebook criou uma intimidade apressada por uma causa comum: ajudar as vítimas dos incêndios que reduziram a cinzas uma parte significativa da zona Centro. Depois de verem tantas mortes na televisão, quiseram vir ajudar os vivos.
Têm entre 25 e 35 anos e são todos da zona da Grande Lisboa. Ele é engenheiro de multimédia, e entre elas há uma administrativa, uma técnica de serviço social com um curso de socorrismo e uma desempregada. Não sabem o que vão fazer, mas isso também não interessa. Estão ali para o que for necessário.
A primeira constatação, que trazem do caminho feito de automóvel, é que "aqui é tudo mais real". "Mais chocante". Esta jornada começou na tarde anterior. Uma mensagem na rede social, uma resposta, uma cadeia de vontades e siga a fazer as malas. Na de José parece vir de tudo um pouco para atacar a vida no campo. Um camuflado, um lenço ao pescoço, uma rede para cabelo, um monóculo e óculos de visão nocturna.
Vai ficar até ser preciso, avisa. Os patrões da empresa em que trabalha deram-lhe os dias que forem necessários para dar apoio às vítimas, sem qualquer penalização. As outras três companheiras de viagem vão ficar até sexta-feira. Pouco depois, avançam para a sede da Junta de Freguesia de Vila Facaia, onde já outros foram bater à porta para oferecer as duas mãos e tudo o que for necessário. Esta quarta-feira foram cerca de 30. Só de manhã.
Eles avisam que mais gente vai fazer o mesmo caminho. Na internet a solidariedade está efervescente. "Vão chegar mais grupos no fim-de-semana".
O presidente da junta, José Henriques, agradece, fica sensibilizado com a chegada de tantos jovens e diz que eles estão neste momento a ajudar na entrega de alimentos. "São todos bem-vindos", resume.
Mas no terreno as entidades que têm a missão de apoiar as populações não têm bem a mesma opinião. Ninguém o revela para já em "on", mas muitos definem esta chegada massiva de voluntários como um problema.
"Muitas vezes, atrapalham mais do que ajudam", diz um dos operacionais. "Há muito trabalho para fazer, mas o maior problema que enfrentamos em algumas situações é a chegada de pessoas. Muitas não têm competências para fazer o que é preciso e acabam por nos consumir muito tempo em triagens e indicações", reitera.
Todos valorizam o chamamento que estas pessoas sentem e a vontade de se solidarizarem, mas a verdade é que, não raramente, identificam aquilo que definem de "turismo de catástrofe".
É um fenómeno que muitas vezes está associado a estas situações, a de pessoas que se fazem passar por médicos ou enfermeiros, mas que na realidade apenas querem estar perto das zonas de tragédia. Fazer parte.
Na Protecção Civil valoriza-se a vontade das pessoas, mas um operacional com muitos anos no terreno diz que estas devem-se encaminhar para os serviços camarários das autarquias da região para que possam desempenhar tarefas. "Para se ser voluntário é preciso ter um seguro que proteja uma pessoa no caso de haver um acidente. Porque estas são zonas perigosas. E a maior parte não sabe disso", defende.
"E são também estas instituições locais que mais conhecem o terreno e podem mobilizar no sentido certo as competências dessas pessoas", remata.