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O que pode fazer um padre numa tragédia como a de Pedrógão?

20 jun, 2017 - 19:23 • João Carlos Malta (texto) e Joana Bourgard (imagem)

O bispo de Coimbra acredita que um abraço pode valer mais do que “tentar explicar tudo” ou “muitos raciocínios”. O mais importante: estar ao lado do povo e rezar com ele – mesmo quando a fé é questionada.

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“Deus que nos ajude.” “Deus que nos salve.” “Se não fosse Ele, não tínhamos sobrevivido.” “Tinha um anjo sentado no banco do lado.” “Foi um milagre.” Muitos dos que sobreviveram, de uma ou de outra forma, aos fogos que estão a destruir parte da zona Centro do país usam expressões de religiosidade popular para manifestar o que lhes vai na alma. Numa tragédia como esta, a espiritualidade é também uma dimensão importante da vida das populações. Mas o que podem fazer os padres numa altura tão difícil, em que muitos também perdem a fé?

O bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, ajuda a Renascença a encontrar algumas respostas. “Há um campo muito grande para a Igreja, que é o de acompanhar. A Igreja não precisa de vir com muitos discursos nem com muitas palavras nem raciocínios nem explicar tudo. Precisa de estar presente, acompanhar e rezar com as pessoas. Precisa de as ajudar a despertar a dimensão espiritual e despertar fé”, salienta.

O bispo de Coimbra diz que esta é uma região em que as pessoas “têm um sentido da fé muito humilde por um lado, mas muito apurado por outro.”

O primeiro funeral

Na homilia do primeiro funeral das 64 vítimas deste incêndio, em Sarzedas de São Pedro, em Castanheira de Pêra, a homilia do bispo vai procurar dizer às pessoas “que estamos uns com os outros”, “que somos solidários uns com os outros” e que “Deus também está connosco”. “Nós também podemos estar com Ele e isso é a razão fundamental para nos sentirmos em paz e ultrapassarmos estes momentos dolorosos.”

As exéquias e os funerais são momentos muito fortes nos quais o padre, o bispo e a Igreja “têm um papel muito grande.” “Tem uma importância fundamental que mais ninguém pode dar”, crê D. Virgílio Antunes.

Uma “paz” que desconcerta

O líder da diocese de Coimbra passou todo o dia de segunda-feira em Pedrogão Grande, percorreu as freguesias, as igrejas e os centros em que os desalojados estão abrigados. Admirou-se com os sentimentos contraditórios com que se deparou.

“Encontrei uma grande desolação, pessoas que ficaram sem nada, sem família, mas que estavam com uma serenidade e uma paz que a mim me deixou desconcertado e que nos faz interiormente estremecer”, diz. Mas há sempre “pessoas que estão com os nervos à flor da pele e outras que virão a estar”.

Aos que encontrou e que tanto sofreram, tentou perguntar “como estão”, “como é que as coisas estão a evoluir” e as pessoas foram conversando, dando pormenores.

“Se lhes dermos um abraço, a homens, a senhoras e a jovens, é a forma de as pessoas sentirem que há ali alguém que partilha da dor e do sofrimento e que está com elas em todas as circunstâncias”, afirma. “Como sou bispo, as pessoas entendem, felizmente, que sou um representante e venho da parte de Deus.”

Porquê a mim?

Uma tragédia da dimensão da que se vive nesta região pode muitas vezes fazer com que alguns ponham em causa a fé. D. Virgílio Antunes não exclui essa hipótese. “Pode acontecer, com certeza. Pela experiência que tenho, as situações limite tanto podem ajudar a crescer na fé e aumentar a confiança em Deus como podem levantar muitas interrogações. Sobretudo quando as pessoas começam a fazer perguntas sobre o porquê da situação, porquê a mim ou porque me havia isto de acontecer”, explica.

Mas nesta região, segundo o bispo de Coimbra, as pessoas têm uma religiosidade muito enraizada e não as viu “mais frouxas” na fé. “[A algumas] até as vi ter a afirmação de que é Deus que nos salva.”

O que é que se pode fazer ou dizer a quem perde fé após um momento de dor enorme? “Que continue a fazer caminho, que tenha calma, mas que continue a procurar, a encontrar-se com os outros e com o Deus que põe em causa. Mas, sobretudo, que não deixe de sentir o aconchego da certeza de que estamos nas mãos de Deus.”

Por fim, reconhece, que “às vezes não há muito a dizer”. “É deixar as pessoas com a nossa proximidade, com o encontro, com o nosso estímulo. Nestas questões da fé temos de fazer um caminho interiormente livre”, conclui.

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