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Juiz Carlos Alexandre defende colaboração premiada como "instrumento típico de democracias maduras"

30 mai, 2017 - 19:41 • Ricardo Vieira , com Lusa

Nas Conferências do Estoril, o responsável pela "Operação Marquês" apelou "a que a sociedade civil se indigne" com a corrupção e falou das principais dificuldades no combate à corrupção e à criminalidade organizada, citando o histórico socialista Almeida Santos.

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Carlos Alexandre: "Esta coisa do superjuiz tem de parar, cria-me anticorpos”
Carlos Alexandre: "Esta coisa do superjuiz tem de parar, cria-me anticorpos”

Edward Snowden, Madeleine Albright, Joseph E. Stiglitz, Sérgio Moro e Baltasar Garzón são alguns dos oradores da edição 2017 das Conferências do Estoril, que decorrem de 29 de Maio a 1 de Junho. A Renascença é a rádio oficial. Assista em directo às conferências aqui


O juiz Carlos Alexandre alertou esta terça-feira que só respostas policiais, jurídico-penais, judiciárias e prisionais não conseguem combater o crime organizado e a corrupção, defendendo a colaboração premiada como um "instrumento típico de democracias maduras".

Numa intervenção nas Conferências do Estoril, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal disse que "a clarificação das leis de combate à corrupção beneficiaria com o instituto de colaboração premiada", ou seja, a redução da pena de um arguido em troca de informações relevantes para o caso.

Carlos Alexandre considera que "é um instrumento jurídico típico de democracias maduras, reputadas e desenvolvidas como Alemanha, França, Itália e Estados Unidos" utilizado para combater o terrorismo, tráfico de droga e crime organizado.

Porém, alertou, "ninguém defende que o Estado legisle no sentido de passar um 'cheque em branco' ao denunciante".

"A colaboração premiada não dispensa o Ministério Público de aprofundar a investigação do que lhe é transmitido nesse âmbito e na concatenação com os demais meios de prova, tais como a prova documental, pericial, testemunhas, entre outros", observou o juiz.

Apelo à indignação

Carlos Alexandre, responsável por vários megaprocessos, apela à indignação dos portugueses contra a corrupção e o crime organizado.

“Faço aqui um apelo a que a sociedade civil se indigne, porque comecei por dizer, citando o dr. Almeida Santos [fundador do PS], que fomos sempre contemporizadores com muitas destas situações”, declarou o magistrado nas Conferências do Estoril.

Na intervenção de 20 minutos, que começou com um pedido para deixarem de o tratar por “superjuiz” porque isso lhe cria “anticorpos”, Carlos Alexandre citou o livro “Pare, pense e mude”, do jurista e histórico socialista Almeida Santos, falecido em 2016.

“Uma pessoa da minha terra dizia: quem muito quiser saber, corra o mundo ou aprenda a ler. Como não tenho condições materiais de existência que me permitam correr o mundo, vou até ao quintal, só. Leio, ouço, vejo”, referiu o juiz da “Operação Marquês”, cujo principal arguido é o antigo primeiro-ministro José Sócrates.

Treze dificuldades no combate à corrupção

Citando o “insigne jurista” Almeida Santos, Carlos Alexandre apontou 13 dificuldades no combate ao crime organizado e à corrupção, a começar pela “pouca experiência” em lidar com estes fenómenos e “alguma tolerância”.

Apesar de haver muita legislação internacional o combate continua a ser feito, sobretudo, à escala nacional.

Existe uma “desigualdade de armas” entre a justiça e os criminosos, nomeadamente, falta organização, meios financeiros e coordenação internacional.

A quarta dificuldade é a chamada “concorrência de causas”, designadamente explosão demográfica, concentração urbana, perda de valores, quebra da autoridade do Estado e colapso de sistemas educativos, entre outros.

Há “política a menos” no combate à criminalidade, que não pode passar apenas por respostas repressivas, ao nível penal, judicial e prisional.

Sempre citando Almeida Santos, o juiz Carlos Alexandre disse que outro problema é a comercialização e consumo de droga como fonte de financiamento de organizações criminosas.

Por outro lado, defendeu, os sistemas jurídicos e processuais penais em vigor nos Estados de Direito democráticos são demasiado perfeccionistas e excessivamente garantísticos para poderem ser eficazes no combate ao crime organizado e à corrupção. “A solução de Almeida Santos, que subscrevo: ou a revisão de algumas dessas garantias para o combate a crimes particularmente graves e lesivos da civilização, normalmente casos de criminalidade organizada e corrupção, ou a auto-condenação até ao ponto de não retorno, em que já não serão vencíveis”, defendeu Carlos Alexandre.

A tolerância da “opinião pública/publicada” para com a corrupção, a relação entre o crime organizado e corrupção e a organização empresarial para lavagem do dinheiro obtido ilicitamente, a camuflagem por via de “offshore” e o acesso à violência foram outros problemas enumerados.

Por fim, a apropriação do poder político pelo crime organizado e não reacção espontânea da sociedade civil foram outros dois problemas referidos por Carlos Alexandre nas Conferências do Estoril.

Carlos Alexandre falava numa das conferências mais aguardadas, que juntou os magistrados Baltasar Garzón, Sérgio Moro e Antonio Di Pietro.

Comentários
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  • Para refletir...
    30 mai, 2017 Almada 21:39
    O poder político recusa-se frequentemente a comentar o que se passa na justiça alegando que seria uma violação do principio da separação de poderes. Ora com base nesta lógica a justiça também não pode comentar o que é da competência da Assembleia da Republica, sugerir alterações à lei, etc.
  • lv
    30 mai, 2017 lx 21:26
    O Gajo também teve uma colaboração premiada, com o tal procuradeiro, seu amigo, corrupto!

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