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Europa, fronteiras, refugiados e tecnologia. O primeiro dia das Conferências do Estoril em quatro palavras

29 mai, 2017 - 18:33 • Rui Barros

Num arranque dedicado aos jovens e à preparação para o futuro, as Conferências do Estoril falaram de desafios, apontaram problemas e esboçaram soluções. Populismo e crise dos refugiados estiveram no centro da discussão.

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Edward Snowden, Madeleine Albright, Joseph E. Stiglitz, Sérgio Moro e Baltasar Garzón são alguns dos oradores da edição 2017 das Conferências do Estoril, que decorrem de 29 de Maio a 1 de Junho. A Renascença é a rádio oficial. Assista em directo às conferências aqui


Numa sala com dezenas de jovens de mais de 20 nacionalidades, as Conferências do Estoril arrancaram lágrimas e aplausos, mas, acima de tudo, deixaram perguntas no ar. Europa, fronteiras, refugiados e tecnologia foram as palavras no centro de todos os discursos.

EUROPA

Coube a Carlos Moedas, o português que é comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, abrir a Conferência da Juventude. Falou dos desafios que a Europa atravessa, nomeadamente a capacidade de conseguir manter o conhecimento que gera dentro das suas fronteiras.

Lembrando os tempos difíceis que as gerações mais velhas tiveram que passar (o muro de Berlim e a censura da ditadura portuguesa foram dois exemplos apresentados), Carlos Moedas pediu aos jovens que lutem para que aqueles momentos “não se repitam”. "A vossa geração vai moldar o futuro. Temos que pensar como o queremos moldar", pediu o comissário europeu, que também falou da falta de reconhecimento que a União Europeia tem perante os cidadãos.

Ainda que Carlos Moedas argumente que “se tivesse de escolher uma época para nascer, seria esta”, dá a mão à palmatória quando, da plateia, é confrontado com a precariedade e a dificuldade em seguir os sonhos que os jovens enfrentam.

Para todos os que se vêem confrontados com a decisão de escolher entre aquilo que querem fazer ou aquilo que pensam que lhes garantirá um futuro, Carlos Moedas tem um conselho: “quando temos 17 ou 18 anos, seguimos o que as pessoas nos dizem. Nunca seguimos o que sentimos, a nossa paixão. O vosso trabalho é seguir essa paixão e para isso é preciso ter autoconfiança”, defende.

“Os conselhos que os nossos pais nos dão são sempre muito maus, porque têm muito medo do risco e pedem-nos sempre para seguirmos a via mais segura”, argumenta o comissário europeu.

FRONTEIRAS

As vantagens do espaço Schengen ainda fizeram parte do discurso de Carlos Moedas, mas foi a José Manuel Aragão, um jovem convidado pelo coordenador do Programa Escolhas para falar na conferência, que plasmou na prática o conceito de fronteiras e mostrou que nem só de fronteiras geográficas se divide o mundo. Dinamizador comunitário do bairro de Agualva-Cacém, José Aragão falou sobre as dificuldades de se integrar e da importância do diálogo para se derrubarem fronteiras, ainda que estas sejam somente fronteiras psicológicas.

"Temos que procurar derrubar os muros e, acima de tudo, descobrir quem somos e procurar pontos de contacto com os outros", lembrou o jovem, que recordou o episódio do seu primeiro dia de aulas no ensino secundário onde procurou não chamar atenção para si “porque vinha de um bairro social”.

"A partir do momento que há diversidade e se estabelecem pontes acho que as duas culturas ficam enriquecidas", defendeu o jovem na sua intervenção onde apelou a um maior diálogo intercultural.

REFUGIADOS

“A Rapariga que derrotou o ISIS” é o nome do livro que escreveu mas, nas Conferências do Estoril, Fareeda Khalaf (nome fictício) provou por que é que é mesmo a rapariga que derrotou o Estados Islâmico. Num discurso pautado por lágrimas, a jovem relatou na primeira pessoa as atrocidades cometidas pela organização terrorista perante uma plateia de jovens que ovacionaram Khalaf no final do seu discurso com um aplauso sonoro.

"Quando estive cativa do ISIS tentei suicidar-me quatro vezes. Bateram-me. Não há nada que consigam imaginar que não me tenham feito", relatou a jovem yazidi, que lembrou o momento da morte do seu pai e irmão mais velho. “Levaram-me com outras 47 mulheres para a Síria. Onde estávamos havia um mercado para a venda de mulheres e crianças”, recordou.

“Pensem que uma das mulher mantida em cativeiro é a vossa mulher, vossa mãe, irmã ou filha e que está a ser usada como escrava sexual. O que fariam numa situação dessas?” perguntou a jovem que, ainda assim, não considera que haja pessoas más. “As pessoas são boas, mas são influenciadas pelo ambiente que as rodeia”, defende a refugiada yazidi.

"Peço à comunidade internacional que aja", pediu Fareeda Khalaf ao lembrar a escola da sua cidade natal, na qual sonhou um dia ser professora de matemática.

TECNOLOGIA

Não era o Web Summit, mas num dia dedicado aos jovens onde os desafios globais era eixo central de discussão, a tecnologia surgiu muitas vezes como solução.

Essa foi, aliás, a ideia que Samer Abdelnou tentou contrariar. Falando da iniciativa de promoção dos fogões portáteis que personalidades como Angelina Jolie e Hillary Clinton apresentaram como solução para acabar com a violência sexual no Darfur, o professor universitário mostrou como essa solução não tinha qualquer evidência científica que a sustentasse.

Para o professor universitário, há uma tendência para colocar as coisas materiais no centro de narrativas simples para problemas complexos. "Questionem sempre as soluções simples como uma rede de mosquitos que pode acabar com a malária ou a explicação de que os telemóveis provocaram a revolução árabe", defendeu o professor, que procurou desmistificar a ideia de que a tecnologia podia resolver todos os problemas do mundo.

Ainda que com a advertência do professor da Escola de Gestão da Universidade de Roterdão, Joséphine Goube não se coibiu de apresentar o trabalho feito pela Techfugees e aquilo que a organização que lidera faz para tentar usar a tecnologia em prol dos milhares de refugiados que procuram asilo em solo europeu.

"Se têm dúvidas que a tecnologia pode mudar vidas... Acreditem. Nós provamos. E salvamos vidas", defendeu Joséphine Goube durante a sua apresentação.

"O mundo ocidental parece ter ficado entorpecido" ao não ser afectado por aquilo que passam os refugiados, defendeu a CEO da organização, que falou dos casos de sucesso de tecnologias criadas para ajudar os que faziam a travessia do mediterrâneo ou da capacidade que a organização que lidera teve para dar conhecimentos de programação aos refugiados que chegam.

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