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Entrevista

Jaime Ramos. O "príncipe encantado" que quer "despertar" Coimbra, "uma bela adormecida"

24 mai, 2017 - 19:22 • Sérgio Costa

O candidato da coligação PSD/CDS/MPT/PPM à Câmara de Coimbra queixa-se do "centralismo" e critica "uma parte dos políticos" locais que "procurou sempre fazer uma carreira para ir para Lisboa e cair no agrado de quem está em Lisboa".

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Jaime Ramos apresenta-se como o "príncipe encantado" de que Coimbra necessita para "despertar" a cidade que se tornou "quase uma bela adormecida" com as gestões autárquicas dos últimos anos - as do PS e também, até do PSD, porque, na cidade, "instalou-se, um bocado, um poder autárquico que se limita a ser paroquial".

Em entrevista à Renascença, o candidato à Câmara de Coimbra à frente de uma coligação PSD/CDS/MPT/PPM diz que pretende romper com o "sonambulismo", afirmando Coimbra e combatendo "o centralismo de Lisboa".

"Em Coimbra, uma parte dos políticos procurou sempre fazer uma carreira para ir para Lisboa e cair no agrado de quem está em Lisboa", queixa-se.

Jaime Ramos considera "um escândalo" que não haja em Coimbra Orçamento Participativo e promete algo revolucionário, "uma experiência" que permita o voto aos que vivem e aos que trabalham no concelho e, até, a crianças e bebés: "É fundamental que as novas famílias tenham o direito de votar em nome dos seus bebés sobre aquilo que é o futuro que eles querem."

O que é que o leva a candidatar-se por uma coligação liderada pelo PSD, depois de ter tentado, em 2001, ser candidato a Coimbra num processo em que acabou por lançar duras críticas a comissão política do PSD?

Coimbra é uma cidade com imenso potencial, foi onde nasceu Portugal, onde está enterrado D. Afonso Henriques. É, em todo o caso, uma cidade que hoje está adormecida. É quase uma bela adormecida. Eu achei que era preciso um príncipe encantado para a despertar.

Coimbra é uma cidade que tem potencial por estar na região Centro, com boas auto-estradas, com boas universidades e politécnicos, com um bom hospital, mas que, infelizmente, entrou num declínio acentuado, em termos sociais e económicos. É preciso mudar isso. Coimbra tem que voltar outra vez a ser uma cidade decisiva em termos nacionais e com a influência nacional que perdeu. Houve vários sonambulismos na câmara municipal, que nos conduziram a esta situação e é isso que me motiva a despertar a cidade.

Quando fala de sonambulismo fala de quantos anos?

Falo de décadas em que há um declínio acentuado da cidade, com perda de empresas, de emprego, de pessoas.

Está a incluir também a gestão de Carlos Encarnação do PSD?

Estou a incluir todos os anos das últimas décadas. Em Coimbra, instalou-se um bocado um poder autárquico que se limita a ser paroquial, a fazer alguns arranjos na cidade, mas que nunca teve dimensão política para voltar a afirmar a cidade no todo nacional. É isso que é necessário. Primeiro, porque é importante para Coimbra, mas também é importante em termos regionais. A região Centro, hoje, está muito fraca e mesmo os concelhos à volta de Coimbra precisam de uma Coimbra liderante, com força, dinâmica, atraente, que capte pessoas e empresas, que crie desenvolvimento, porque, se não, toda a região Centro está a perder importância, fruto também desta incapacidade de Coimbra.

Como é que olha para o apoio de Carlos Encarnação, que foi presidente da Câmara pelo PSD, à candidatura de José Manuel Silva, ex bastonário da Ordem dos Médicos? Não o fragiliza a si?

Julgo que não, mas uma pessoa também não tem que ganhar a qualquer preço. Eu sou militante do PSD histórico, mas fui sempre, talvez, dos militantes do PSD com maior capacidade de liberdade de afirmação pessoal ao longo desta vida. Devo ser o único ex-deputado que existe no país que teve dois processos disciplinares atribuídos pelo partido por não respeitar a disciplina de voto e em circunstâncias que eu não me envergonho nada de o ter feito, porque mostrei a minha independência.

Muitas vezes, as pessoas dizem-se independentes e estão subjugadas a outros interesses como lóbis económicos e corporativos. Eu mostrei, ao longo da minha vida, que era, de facto, um homem livre, republicano, social-democrata, cristão, e é nessa medida que estou aqui nesta candidatura e com liberdade para afrontar Lisboa e afrontar as hierarquias políticas que estão, normalmente, à frente dos partidos políticos. Em Coimbra, uma parte dos políticos procurou sempre fazer uma carreira para ir para Lisboa e cair no agrado de quem está em Lisboa. Eu não tenho essa motivação. A minha motivação é afirmar Coimbra e obrigar Coimbra a ter influência sobre Lisboa, para se acabar com o centralismo que hoje se vive no país.

O concelho de Coimbra, no final de 2016, viu descer o número de desempregados - ainda assim, de acordo com as estatísticas publicadas, a uma velocidade mais reduzida do que a média nacional. Isto poderá traduzir pouca diversidade da indústria, dos serviços no concelho? Que iniciativas terá para atrair o investimento de que falava?

Coimbra é uma cidade que perdeu em termos industriais e empresariais uma grande importância. Grandes marcas que estavam em Coimbra foram desaparecendo, foram fechando, mesmo uma das últimas mais importantes, há pouco temp,o instalou-se no Porto. Por isso, revela esta perda de capacidade de fixar as empresas e, acima de tudo, é a incapacidade de atrair investimento, quer nacional quer estrangeiro. É evidente que temos excelentes condições em Coimbra. É, até, incompreensível como é que não há um dinamismo completamente diferente na cidade.

O que é que nós vamos fazer? É fundamental ter uma estratégia de afirmação da marca de Coimbra, sermos muito agressivos a captar empresas e contactos estrangeiros e nacionais. Depois, há que conseguir que todos os talentos que são formados aqui não saiam de Coimbra, porque esses talentos são fundamentais. Temos que criar condições, nomeadamente a nível da burocracia, para sermos uma cidade amiga do empreendedor. Ainda há pouco tempo, com o Brexit, vimos o senhor primeiro-ministro iniciar um programa para captar empreendimentos e interesses estrangeiros para Portugal. É uma pena que Coimbra fique adormecida e não se associe a António Costa nessa captação.

Mas que condições podem ser criadas, de facto? O que é que pode ser atractivo para um empresário se estabelecer em Coimbra?

Coimbra é, talvez, o sítio em Portugal onde uma pessoa está mais segura, em termos de crime e em termos de saúde, onde qualquer pessoa de média idade se sente mais à vontade, mais confortável. Depois, é uma cidade extremamente bonita, muito cómoda. Possui uma beleza natural. Possui cultura, património. É um bom sítio para viver. Em termos europeus, há poucas cidades na Europa que tenham tantas condições como esta. Simplesmente, esta marca não tem sido vendida. Muitas vezes fala-se mais de Coimbra pelas bebedeiras da Queima das Fitas do que pelo resto das condições que existem. É fundamental mudar isso.

Vamos fazer uma afirmação da marca de Coimbra, no sentido de mudar a sua idade, porque, hoje, uma cidade antiga pode passar a ser uma cidade jovem, atraente, vibrante e depois muito activa, pró-activa e competitiva. Não podemos deixar que só Lisboa e Porto vendam uma boa imagem de Portugal no estrangeiro, porque Coimbra tem isso.

De que forma poderá ser articulada a relação cidade-universidade?

É fundamental que o presidente da câmara lidere a relação entre os hospitais, a universidade, o politécnico, os empresários, as próprias organizações sem fins lucrativos, no sentido de criarmos uma agitação criativa permanente em Coimbra, que seja vibrante, no sentido das pessoas gostarem de viver e de participar na democracia. Criarmos, no fundo, uma democracia nova para que tudo em termos de Coimbra seja, de alguma maneira, uma afirmação da própria marca, mas feita pela área diríamos de uma certa novidade, uma certa criatividade.

Irá convidar também os munícipes, se for eleito, a transmitirem ideias do que pretendem?

Sim, é fundamental. Nós não temos, por exemplo, Orçamento Participativo. O que é um escândalo numa cidade como Coimbra, com os jovens que tem, com a universidade, com o politécnico.

Penso que em Coimbra podemos, até, fazer uma experiência nacional, nova, que é todas as pessoas poderem votar: quer as que lá trabalham quer as que lá vivem. O que é que significa que todas possam votar? É que o voto, por exemplo, nas famílias, permita que os bebés, que as crianças possam votar, que os maiores de 16 votem, mas depois também os bebés possam, como pessoas. É fundamental que as novas famílias tenham o direito de votar em nome dos seus bebés sobre aquilo que é o futuro que eles querem daqui a 20 anos. É uma democracia completamente diferente. Hoje, podem dizer-me assim: isso é uma novidade excessiva, mas, provavelmente, quando disseram que as mulheres podiam votar, havia uma série de botas-de-elástico que não acreditavam que isso fosse possível.

Não será mesmo excessivo colocar essa responsabilidade nos mais novos?

As pessoas têm que ter direito de voto. Repare no Brexit. Todos sabemos que, pelas sondagens, se não fosse o peso excessivo das gerações com mais idade, a Inglaterra nunca teria saído da União Europeia, porque as novas gerações tinham uma maneira diferente de encarar a situação.

Há ainda outra questão. Infelizmente, Coimbra nas últimas décadas, fechou-se relativamente aos concelhos à sua volta e às capitais de distrito à volta. Isto foi profundamente negativo para estes concelhos.

Defende que Coimbra seja Capital Europeia da Cultura em 2027. É mesmo possível?

É possível trabalhando, criando uma equipa técnica com bons especialistas. Portugal vai ter esse direito em 2027, porque está definido na União Europeia que é uma cidade portuguesa. Até pode ser antes, porque, com o Brexit, 2023 fica vazio e, por isso, pode haver uma antecipação. Nós já somos património mundial da UNESCO, temos um excelente local que é o Convento de São Francisco, temos a universidade, temos um conjunto de infraestruturas na cidade que justificam perfeitamente que Coimbra esteja nesta competição para ganhar. É evidente que a câmara actual nada faz quanto a isso, mas é por isso que sou candidato. Não vamos aceitar ser uma cidade com perda de influência. Uma cidade de segunda divisão. Mesmo no plano desportivo, nós temos que afirmar a cidade nunca esquecendo que ela é a cidade fundadora do país e onde o primeiro rei de Portugal está sepultado.

Está a vender uma excelente imagem da cidade, mas é inegável que a Baixa de Coimbra, por exemplo, está bastante degradada. O que é que vai fazer para a recuperar?

A Baixa faz parte do património, mas há muitos edifícios degradados. Há uma perda de comércio, de importância, de residentes. Há, até, alguma má imagem provocada por alguma prostituição e por pessoas em situação de sem abrigo e consumidores de droga. Há todo um trabalho que tem que ser feito no sentido de revitalizar a Baixa em termos comerciais, de habitação, acabando com esta imagem destas pessoas, que não deixam de merecer todo o nosso respeito.

Eu defendo que Coimbra deve, pela primeira vez em Portugal, fazer um programa "sem-abrigo zero", isto é, ser a primeira cidade no país que se afirma sem nenhum sem-abrigo. Isto é perfeitamente possível. É mais fácil tratar isso aqui, dado o seu número ser relativamente escasso, e nós podemos incluir estas pessoas, ter um programa que não vise só dar-lhes comida, cobertores quando estão com frio, mas criar-lhes emprego, capacidade e inclusão.

Está a pensar articular esta acção com instituições?

Evidentemente. Sendo que a Câmara seja o motor. Mas não nos podemos esquecer das forças vivas. A Câmara de Coimbra tem que trabalhar com o reitor, com a universidade, com tudo aquilo que são as força vivas da cidade para a dinamizar, não esquecendo os vizinhos. Coimbra tem que trabalhar com os concelhos à volta e pode ser área metropolitana, porque a lei em Portugal que diz como se constituem as áreas metropolitanas permite que a Comunidade Intermunicipal de Coimbra seja uma área metropolitana. É um dos nossos objectivos, um objectivo de afirmação, porque Coimbra tem que estar ao nível da influência política e económica no país a afirmar-se ao lado dos grandes: do Porto e de Lisboa.

Repare no caso do metro do Mondego que está parado. No tempo do engenheiro José Sócrates, foi destruído o Ramal da Lousã para se fazer o metro do Mondego. Depois, descobriu-se que não havia dinheiro para continuar as obras e aquelas populações ficaram sem serviço. É preciso voltar a recolocar uma solução para o Ramal da Lousã e para o metro da Lousã. Uma pressão política, claro, sobre os governos, para que aquilo seja feito.

Mas tem havido nos últimos anos manifestações...

Não. Tem havido manifestações quando lideradas por mim. Sempre que eu não liderei, nunca mais houve nenhuma manifestação. Os poderes autárquicos hoje instalados em Coimbra e que são, no fundo, dependentes do Partido Socialista, não se manifestam, não exigem e não lutam pela região. Já com todos os candidatos da área do PSD e do CD, fizemos, recentemente, uma conferência de imprensa a batermo-nos por isso em conjunto. Isto é um trabalho colectivo mesmo em relação ao resto da região. Vemos que o Porto cresce bastante na sua área metropolitana e exerce já alguma polarização sobre alguns concelhos próximos de Coimbra. E, claro, Lisboa também. Este centralismo lisboeta é muito excessivo, tem que ser afrontado pela valorização de Coimbra, que tem que trabalhar com os outros distritos à volta. Há pouco tempo reuni com o senhor presidente da Câmara de Viseu, porque é incompreensível que, em Portugal, haja tantas auto-estradas e de Coimbra a Viseu não haja uma auto-estrada.

Acha que o país já tem condições financeiras para continuar a apostar em auto-estradas?

Claramente. Então, se há centenas de milhões de euros para investir no metro em Lisboa, porque é que não há algumas dezenas de milhões para investir em Coimbra? As pessoas de Coimbra não pagam impostos? Não merecem consideração? Vamos continuar que tudo vá para Lisboa? Isto tem que ser contrariado de forma frontal, cordial em termos democráticos, mas sem dependências das hierarquias partidárias. Não é só o egoísmo de Coimbra: devemos fazer isto numa perfeita solidariedade e agregar a região.

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  • candidato
    25 mai, 2017 port 13:23
    da coligação a fazer-se de independente!...Só por isso, por mais voltas que queira dar, só convencerá com a propaganda, os apanhados!
  • mara
    25 mai, 2017 Portugal 09:09
    Gostei de ler este artigo, as ultimas vezes que estive em Coimbra foi muito rapidamente, há meses estive numa zona onde não ia há tempo, fiquei muito triste...Fazem falta nos lugares chefes Pessoas que acima do Eu, de esquerdas, direitas, centros engrandecidos amem a Pátria, fazem falta em Portugal, Afonsos Henriques e o seu confessor e conselheiro Teotónio e Homens e mulheres como Egas Moniz que foi entregar-se com ao Rei de Espanha para que o matasse por não cumprir a palavra dada, agora ouvimos: vou fazer...e depois tudo igual, talvez se olhassem mais para o interior e para as pequenas povoações tivéssemos menos sem-abrigo e os portugueses dessas terras que também pagam contribuições e votam fossem mais felizes.
  • João
    24 mai, 2017 Lisboa 22:57
    Estou completamente de acordo com tudo. Não sei como uma cidade como Coimbra tão linda, uma cidade que transpira história, uma localização privilegiada etc,etc,etc tenha sido tão esquecida durante tantos tantos anos. Será que os Senhores que ali se formaram e com responsabilidades governativas nunca se lembraram mais da casa onde viveram ?
  • Rui Oliveira
    24 mai, 2017 Tomar 22:53
    Excelente entrevista. Até que enfim um candidato autárquico na região centro com coragem para enfrentar o bi-centralismo do país.

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