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Viriato Soromenho-Marques: "Francisco é um dos três grandes papas dos últimos 100 anos"

11 mai, 2017 - 20:34 • Filipe d'Avillez

Em entrevista, o professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa antevê a visita do Papa Francisco a Fátima.

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Viriato Soromenho-Marques, professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tinha 10 anos quando Paulo VI se tornou o primeiro Papa a visitar Portugal. Cinco décadas e quatro visitas papais mais tarde, prepara-se para acompanhar a chegada de Francisco, que considera uma das maiores figuras católicas do último século.

A importância da unidade na Europa, a discurso ecológico e o diálogo ecuménico são temas que prevê que sejam tratados por Francisco numa visita mais pastoral que política e de menos de 24 horas.

Durante a sua vida assistiu a todas as visitas dos Papas a Portugal. Em que é que esta poderá ser diferente?

O Papa Francisco é um dos três grandes papas do último século. Estamos a falar de João XXIII, do Concílio Vaticano II; João Paulo II, por ter sido o Papa que dirigiu a Igreja durante uma época de grande mudança internacional, com o fim da União Soviética e o fim da Guerra Fria – foi a primeira vez na humanidade que um conflito entre duas grandes potências terminou sem ser por uma guerra – e o Papa deu o seu contributo nesse sentido, e depois temos o Papa Francisco, que, claramente, nestes poucos anos que tem no trono de São Pedro, já marcou alguns pontos importantes, seja numa agenda ecológica coerentíssima, na questão do ecumenismo, seja na agenda social, no combate pela igualdade, combate contra a discriminação e contra a intolerância religiosa que no tempo em que vivemos toca na essência dos direitos humanos. Nomeadamente, o Papa tem estado na linha da frente dessas centenas de milhares, ou milhões de seres humanos esquecidos, cujo único crime é serem cristãos.

Desses temas, que têm sido algumas das linhas fortes do Papa, quais serão referidos aqui em Portugal?

Sem dúvida que o aspecto das liberdades fundamentais no plano religioso vai ser focado, o que é um tema paralelo ou convergente com o do ecumenismo, da proximidade, da cooperação entre todas as religiões, em particular as correntes do cristianismo que continuam, ao fim destes séculos todos, com problemas entre si.

Não sei se haverá alguma palavra especial sobre o ambiente, mas seguramente que se isso acontecer, e espero que sim, não será esquecida a agenda da solidariedade e da justiça social. O mundo tem beneficiado muito, e a Igreja Católica em particular, do facto de termos um Papa com o percurso que teve.

A experiência de um homem que vem de um continente tão efervescente como é a América Latina, ainda por cima passando por uma história tão violenta, de ditaduras, de perseguições, isto acaba por conferir um olhar e uma visão sobre os problemas do mundo que é absolutamente favorável.

É provável também que o Papa dedique algumas palavras à situação europeia. Ou seja: ao facto de a Europa, de há uns anos a esta parte, ter entrado num torvelinho de fragmentação e entropia que já se saldou pelo afastamento da Grã-Bretanha e também está traduzido na diminuição das liberdades públicas em países como a Hungria e a Polónia e no avanço de forças contra a tolerância, a migração, contra tudo o que é diferente. É natural que o Papa, com toda a sua autoridade, social e institucional, chame atenção para a impossibilidade de a Europa voltar a fragmentar-se. É um custo que a Europa não pode fazer o mundo pagar outra vez.

O Papa vem só a Fátima, não vem a Lisboa. Isto pode ser lido como uma valorização de Fátima para a Igreja no mundo, ou numa desvalorização de Portugal no contexto internacional?

Só posso interpretar pela positiva. Julgo que não é uma viagem... O Papa tem a dupla categoria de ser o chefe da Igreja Católica e chefe de Estado do Vaticano. Julgo que ele vem sobretudo na primeira condição, isto é, vem como chefe espiritual do mundo católico. Não vir a Lisboa não significa nenhuma desvalorização do país. Aliás, Portugal e Espanha explicam porque é que o catolicismo não é apenas uma pequena religião europeia, e mesmo no cristianismo verificamos justamente que a pujança do catolicismo prende-se com o facto de ser uma religião de difusão universal, e isso seguiu as caravelas portuguesas e espanholas, portanto se há coisa que o Vaticano, a Santa Sé, nunca irá esquecer, é o contributo que a Santa Sé deve a um pequeno país como Portugal e evidentemente também a Espanha.

O Papa chega a Portugal numa altura em que, não estando no Governo, partidos como o PCP e o Bloco têm uma influência que é rara. A visita pode ter repercussões políticas?

Acho que o Papa Francisco tem-nos habituado a nunca dar motivos para entrar na agenda da pequena política. Portanto, estou seguro que não vamos encontrar aqui nenhum motivo que possa ser aproveitado para as pequenas guerrilhas institucionais da nossa política doméstica.

O Papa Francisco tem tido a coragem de falar sobre temas que eram considerados tabu, como a homossexualidade, por exemplo, as questões que se prendem com a própria Igreja Católica e o debate que há séculos a atravessa, sobre o sacerdote, o casamento do sacerdote, o papel dos leigos na administração da vida religiosa nos seus diversos aspectos.

E ele tem falado dos assuntos sempre de uma forma que me parece muito elevada. Ou seja, enquanto que nalgumas correntes conservadoras dominantes da Igreja Católica, fundamentalmente existe uma preocupação de afirmação de uma convicção doutrinal, na perspectiva da norma autoritária, o Papa tem em relação a todas estas questões uma palavra de abertura do assunto para discussão fraterna, de respeito por todos aqueles que são diferentes das grandes maiorias, a todos os níveis.

Julgo que isso se coaduna muito bem com o que se passa em Portugal e que tem surpreendido toda a gente, esta solução de Governo, que é uma solução que evidentemente tem pontos muito frágeis, mas permitiu trazer para a esfera da governação, mesmo não estando lá directamente, partidos que têm sido considerados um bocadinho marginais dentro do sistema. Tem havido responsabilidade e contenção e, na verdade, o Governo continua e tudo indica que estará em condições de chegar ao fim do mandato, ou pelo menos continuar a fazer o caminho nos próximos meses.

Há quem diga que os partidos têm estado a adiar a questão da eutanásia para que seja discutida depois da visita do Papa, para não chocar…

É provável que no agendamento se tenha tido em consideração a necessidade de não condensar a visita do Papa, com a importância que tem em si, com um problema específico da agenda do Parlamento, e do país, que é a questão da eutanásia. Mas não me parece que exista qualquer receio por parte de qualquer um dos lados do debate ou qualquer tabu em relação ao tema.

Aquilo que aconteceu foi um processo desencadeado por um conjunto de pessoas que assinaram um documento – eu fui um dos signatários – em que as pessoas não estavam unidas por uma posição comum, estavam unidas por um entendimento de que o tema deveria ser tratado. Posso garantir que as pessoas que assinaram o documento não pensam todas da mesma maneira sobre o assunto.

É de esperar que o Papa diga umas palavras directamente sobre esta questão?

Poderá não fazê-lo directamente. Mas sem dúvida que há coisas que fazem parte de uma espécie de núcleo duro da visão que a Igreja Católica e os seus altos dignitários têm.

Esta questão do valor da vida, o carácter extremamente sagrado da vida humana, pode ser mais ou menos enfatizado pelo Papa, mas julgo que não há volta a dar. É um tema que faz parte da linha de continuidade de quem está na Santa Sé ao longo dos séculos.

Agora, se vamos ou não depois passar daí para políticas públicas específicas, julgo que não, que será apenas o reiterar desse carácter fundamental, de que não devemos desistir da vida enquanto a vida não desistir de nós.

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